iv.

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quatro; meia-noite

Terça-feira. As semanas permaneciam fatigantes, as horas cada vez mais remissas, os dias cada vez mais curtos, as noites mais sombrias e gélidas. Todavia, arriscara reverter os papéis monótonos dos meus dias e regressar àquela galeria pacata e abandonada. E, como tal era esperado a jovem rapariga continuava no seu árduo trabalho em pendurar todas as suas fotografias, estas que, agora ocupavam grande parte da vasta parede. Sem quaisquer tipos de cumprimentos ou palavras sábias, entro no estabelecimento, sentando-me no chão de madeira clássica provocando uma leve e melodiosa gargalhada à jovem ao reparar na minha presença.

– Afirmo ser corajoso o suficiente para ouvir uma palestra. – informo, apreciando as suas feições iluminadas pela luz do candeeiro.

– És persistente, portanto. – ela profere, desviando as madeixas de cabelo que caíam sob a sua face. – Desde que não regresses com perguntas fúteis, a companhia será agradável e..invulgar.

Rendido à sua gargalhada e à forma de como esta amarrava os seus longos cabelos num elástico, deixando uma visão do seu pescoço, onde era possível denotar uma tatuagem em números romanos. Rodeo as pulseiras do meu pulso adquiridas dos meus primeiros festivais (em que conseguira obter as melhores memórias e ao mesmo tempo as piores) distraindo o meu aborrecimento. O ambiente pacífico e vazio fazia-me questionar sobre quase tudo que encontrava há minha volta; a razão do seu silêncio, porque cobria todas as vitrinas com jornais antiquados e a verdadeira razão porque preenchia a parede branquíssima com diversas fotografias. A forma como captara o seu olhar sublime e subtil enquanto me olhava fixamente nos meus olhos fez com que engolisse a seco.

– Porque é que investes o teu tempo aqui somente à meia-noite? – inquiro, acompanhado os seus movimentos organizados e repetitivos.

– Pensei que tinha referido o não a perguntas inúteis? – ela retorque, afastando-se da vasta parede, coçando o seu queixo. – Porra, porra, porra!

– Justificação plausível... – brinco inocentemente, recebendo uma expressão exasperada e repentina da sua parte. – O que é se passa?

– Tinha a certeza que isto estava certo! – ela reclama consigo mesma, embatendo bruscamente com os punhos na parede.

– Está tudo bem? Há algo em que possa ajudar?

– Não querias saber o significado por detrás da «meia-noite»? – a jovem atira, agarrando no seu casaco caído sob o chão clássico. – Vem comigo.

Sem hipótese de formular um pensamento ou resposta possível, a rapariga (na qual nunca me oferecera uma oportunidade de interrogar pelo seu nome devido às suas respostas objetivas e desafiadoras) apressa os seus passos determinada no que estava prestes a realizar. Ergo num ápice o meu tronco, tentando acompanhar o seu percurso até à porta principal, sendo de imediato refrescado com a brisa gelada dos horários noturnos. Encaro as suas feições frenéticas, que esperavam impacientemente por a minha presença.

– A pé? Podemos fazer o percurso na mota. – aconselho, provocando uma extensa e sarcástica gargalhada na jovem.

– Engraçado ver as formas de como vocês homens, imploram pelo toque de uma mulher.

Novamente deixado com uma crítica inexplicável fazendo com que, encolhesse repetidamente os ombros e ignorasse o seu comentário, seguindo a sua figura marcante. Desta vez, não só questionara sobre as suas atitudes como também pela minha aceitação em permanecer na sua conversa. Talvez ela tivesse razão, para além das minhas perguntas impertinentes não poderia encobrir o meu traço de persistente. Coloco as minhas mãos nos bolsos do casaco, apanhando os seus passos apressados. Meras foram as vezes em observara a jovem rapariga, esta que sempre pousava um cigarro entre os seus lábios perfeitamente delineados todavia, nunca o vira acesos; talvez fosse a sua personalidade quase como fogo que os acendesse de forma metafórica. Eventualmente, seria apenas as minhas teorias a tornar-me ridículo.

– Não penses tanto no assunto, Calum. – ela interrompe a constante guerra entre a minha mente e a realidade, fazendo-me erguer a sobrancelha quando realizara que ela pronunciara corretamente o meu nome. – A pulseira no teu pulso não engana ninguém.

– Para onde é que pretendes ir?

– Aqui mesmo.

Retiro as mãos no bolso do casaco, incomodado com o fumo proveniente da substância insaciável, verificando o local onde nos encontrávamos. Somente pelos canteiros arranjados, relva impecável, inúmeros bancos de madeira, o quiosque, a vedação que cobria todo o espaço e o ferro saburrento vindos dos baloiços demonstravam o antigo parque da capital. Cruzo os braços, rendendo-me há preguiça, encostando-me contra a vedação de tonalidade preta enquanto esperava que a rapariga retirasse a sua câmara amadora dentro da sua mochila. Baixo a cabeça, procurando pelo meu telemóvel desgastado pelo uso e maus tratos, enviando uma mensagem a Isa de modo a certificar que tudo estaria bem.

– Então? – elevo a cabeça, sem captar sinais da morena no local.

Atônito com o desaparecimento repentino da rapariga, razão pela minha distração nas horas que marcavam no meu relógio de pulso, percorro o meu olhar em todos os lugares distintos e iluminados pela luz amarelada. Como é que era possível que a minha distração de segundos originasse o seu momento de escapatória? Sem uma despedida com um dos seus comentários peculiares ou a resposta concreta que levara a sua ânsia e súbita mudança de humor. Pontapeio um papel solto no chão de pedra clara, notando algo suspeito no mesmo. Abaixo-me de modo a agarrar na folha, identificando pela segunda vez, a minha figura vinda da sua polaroid seguido com um texto incógnito.

Porquê a meia-noite? Porque enquanto todos estão adormecidos nos seus sonhos a natureza está mais do que viva. Rya.


Overtime · cthOnde histórias criam vida. Descubra agora