ii.

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dois; mudanças 

Carregado com a mochila posicionada no meu ombro e o enorme saco que segurava firmemente as relíquias essenciais para a minha mudança repensada, encarava o enorme prédio de seis andares que transmitia todas as memórias esquecidas nos últimos anos ausentes. Tal como a idade atinge todos os indivíduos de forma natural e irremediável, o mesmo acontecera com o prédio antiquado; poucas eram as paredes de tijolo coberto com tinta castanha que não continham fissuras que ofereciam ao local um aspeto aparentemente pouco seguro e a maioria das precianas fechadas dando a entender que ninguém habitava o mesmo. Porém, nem mesmo os vandalismos vulgares durante as horas noturnas impediram os jovens no auge da sua rebeldia em retirar todos os cartazes da discoteca (que desejara frequentar desde o dia em que embatera com o olhar contra o cartaz apelativo) e de retirar os papéis e cobrir os mesmos com frases com um significado indecifrável.

Ergo a cabeça ao identificar uma voz irreconhecível proveniente da janela do segundo andar, sendo forçado a entrar pelas portas de acesso. Mesmo sem acesso a elevadores modernos, o pequeno percurso dentro do elevador antiquado fora tudo menos sossegado; esperava a qualquer segundo, que o mesmo parasse e ficasse entregue à equipa técnica. Apesar dos meus agouros, o significante receio fora esquecido no momento em que uma mulher de cabelos negros abre repentinamente a porta do elevador, agarrando-se firmemente ao meu tronco. Retribuo de imediato o afeto, relembrando-me dos anos em que não tivera a oportunidade de abraçar e sentir o perfume acolhedor da minha progenitora.

– Calum... – Isadora murmura, revelando os seus olhos lacrimejantes. – Não sei se deva reclamar contigo pela tua ausência ou por expressar a minha felicidade.

– Mãe! Aceitarei a reclamação caso o almoço for risoto*! – exclamo, tentando abstrair os seus pensamentos melancólicos.

– Claro... – ela pronuncia reticente, oferecendo-se para ajudar com o peso da minha bagagem. – Como estás?

– Estou ótimo! – afirmo, esboçando um largo sorriso sendo este quebrando quando piso o tapete de entrada.

Diante a minha expressão um pequeno espaço encontrava-se numa total desarrumação. Um cenário que nunca presenciara enquanto frequentara o apartamento, evidências que nem mesmo com um aviso de três dias a minha progenitora conseguira encobrir. A razão por que aceitara a sugestão do meu pai. Quando foram colocadas as provas há minha frente, não imaginara o impacto que estas poderiam obter. Observo as feições da minha mãe, os seus olhos âmbar carregados com olheiras, os lábios gretados, a pele coberta com uma base aplicada recentemente e os seus cabelos sem vida arranjados num elástico. Miro a larga mesa de madeira colocada em frente à porta, esta que indicava um dos seus descuidos, sendo este remediado após Isa ter-se apercebido do seu erro (quase) fatal.

– Isso é maravilhoso querido. – Isa encosta-se ao móvel, numa tentativa de esconder o copo que ainda a meio, formando os lábios em linha reta. – E o teu p-pa—universidade?

– De momento está em pausa. – arqueio uma sobrancelha ao entender que Isa realmente quisera pronunciar o nome do meu pai somente pelo tom de preocupação e esperança presente na sua voz. – Arranjei um trabalho digamos, sustentável para o próximo semestre.

– Que tipo de trabalho?

– Bem...

•    

Caminhava sossegadamente na calçada organizada, enfrentando a brisa gélida da noite, somente acompanhado pelos grupos de pessoas que conversavam (umas mais lúcidas e sóbrias que outras) pelas ruas estreitas. Devido há minha falta de atenção e a distração no falatório que a minha mãe colocara para saber todos os acontecimentos nos últimos cinco anos, levou a que esquecesse por completo de procurar por uma gasolineira e encher o depósito do meu meio de transporte. Todavia, nem mesmo o imprevisto deixara que caísse no desleixo em não envergar o casaco de cabedal preto e percorrer o caminho até ao meu recente trabalho. Agradado com a música proveniente dos bares presentes na avenida, abanava ligeiramente a cabeça consoante o ritmo, entretido com o reflexo das vitrinas das lojas. Contudo, o meu entretenimento fora quebrado com uma vitrina completamente coberta de jornais, sem espaço para observar o conteúdo da loja. D'Ellis. Exposto no letreiro sobre a porta, esta que, tinha afixado um papel sobre palestras desinteressantes perto da meia-noite.

Encolho os ombros perante ao panfleto pouco apelativo, guardando um no bolso de trás do casaco. Retorno a atenção ao meu trajeto, identificando no final da avenida o local descrito pelo rapaz que oferecera o cargo; luzes capazes de cegar alguém desprevenido, letreiro com certos problemas em manter-se estável, o segurança de estatura bastante baixa e um rapaz de camisa de uma tonalidade fortíssima em frente ao estabelecimento. Aceno ao jovem rapaz, sendo recebido de imediato com um aperto de mão.

– Calum Hood, correto? – ele inquire, segurando firmemente um caderno.

– Correto. – profiro, analisando os pormenores expostos ao meu redor.

– Muito bem, Hood. – o rapaz reforça novamente o meu apelido de forma impertinente. – Prepara-te, porque após este trabalho não terás de frequentar um ginásio. Poucos são os corajosos!

Uma. Duas. Três horas. Talvez a minha previsão em relação ao tempo em que trabalhava fosse incorreto contudo, o cansaço e suplico do meu corpo em descansar depois de carregar todas as caixas que iriam levar a avante a noite dos indivíduos presentes no lote comunitário. Fatigado, exasperante e insatisfeito com a situação pouso bruscamente a caixa de cartão sob o balcão, recebendo murmúrios e resmungos vindos de alguém por detrás do cartão.

– Desculpe. – peço de imediato ao rapaz que recuperava do seu recente susto, segurando a cerveja nas suas mãos.

– Peço mais uma cerveja para a contribuição à perda da minha sanidade. – o jovem comenta, baixando a cabeça nos seus braços. – E sou surpreso com uma caixa recheada delas...será o meu dia de sorte?

– Trabalhar no balcão neste momento, seria um privilégio.

– Privilégio seria abandonar esta cidade! – ele exclama, levantando a garrafa vazia de modo a acentuar a sua encenação.

– Visto que há cinco anos atrás esta cidade era pacífica, duvido que as coisas tivessem mudado drasticamente. – aponto, verificando pelo canto do olho se o patrão não captasse o meu desleixo.

– Bem-vindo à nova Veneza! Difícil será encontrares algo que não mudou. 

Overtime · cthOnde histórias criam vida. Descubra agora