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onze; (in)certeza

 QUILÔMETROS IRRECUPERÁVEIS

33H PERDIDAS

5 ARREPENDIMENTOS 

Hoje era um bom dia. Foi, de facto. Após as tonalidades amenas e brisas frescas invadirem os raios luminosos do sol abrasador, fomos impedidos de permanecer com o plano delineado deste a primeira letra, vírgulas, sílabas e ponto final. Depois do ambiente calmo e desafiador da esplanada perdida entre as estradas desconhecidas, embarcamos para a direção contrária do nosso destino dando de caras com uma cidade na qual, nem mesmo com os meus esforços conseguiria expressar corretamente o nome do local. Rovigo. Uma cidade que contraria todas as nossas visões anteriores, uma cidade antiquada ainda acostumada com os velhos hábitos. Não poderia estar mais maravilhado por todas as relíquias que observara, os prédios rurais, os museus com vestígios de décadas, extensas calçadas, inúmeros muros revestidos com cores extravagantes e aprimoradas.

Diria que estaríamos a iniciar um novo parágrafo. Ignoramos os pontos, as vírgulas e reticências. Sempre mantendo a postura firme e mãos seguras, visitara cada espaço comunitário, conversara sobre as maiores atrocidades, relevara confissões, partilhara comédias passadas, gargalhadas longas. Durante horas, permanecemos sentados no sofá de um casa de convívio juvenil enquanto tentávamos controlar para não interromper as falas de cada um. Tal como não conseguia evitar apreciar a sua beleza natural e cativante, a rapariga de longos cabelos negros não negava uma oportunidade para se sentar em frente ao vinil e percorrer os seus dedos finos por todas as raridades expostas na prateleira. Sempre com o meu chapéu na sua cabeça e os seus óculos escuros agarrados pelas as suas mãos, cada passo seu era um encanto para a minha mente. Tomava as suas atitudes como uma incerteza mas, tornava as minhas as minhas oportunidades para a jovem como uma certeza.

– Desde quando é que sabes escrever?

– Estás a falar do concurso? – inquiro, ajeitando a larga camisola cinzenta que envergava. – Isso foi um ato de esperança em ganhar uma bolsa de estudo, não sou o melhor nessa arte.

– Como é que podes duvidar destas páginas? – ela retorque, esfolheando pela terceira vez as folhas preenchidas de rabiscos e frases riscadas. – Isto está fantástico, a sério.

– Tudo o que sei foi graças a Isa. – explico, rodando o pescoço de modo a encarar a sua face. – Ela costumava trabalhar no jornal da cidade e era completamente dedicada ao seu caderno e à sua esferográfica. Não importava o sítio ou hora, lá estava ela com o seu bloco, sentada num café qualquer ou na sua varanda. As minhas primeiras leituras foi um dos seus textos e ainda hoje me lembro de tudo que li.

Comtemplo a paisagem magnífica do parque de campismo, sendo aquecido pela fogueira à nossa frente. Por mais que todos os meus pensamentos fossem afastados durante as longas viagens, era impossível carregar o arrependimento e angústia de não ter qualquer conhecimento do estado de Isadora. Se estaria bem, se estaria mal. De momento, as minhas palavras rígidas não eram o suficiente para apagar a súbita dor que surgia no meu peito ao relembrar que não estava ao lado da minha mãe, a apoiá-la devidamente, e sim a quilômetros de distância. Foco o meu olhar no horizonte revestido com a água límpida e nítida do lago, pedindo silenciosamente os meus tempos de infância em que observava a minha mãe com a sua expressão carismática e dedicada às suas folhas e não dependente de um vício, um inimigo infiel.

– Engraçado. – ela ri, abstraindo as minhas memórias melancólicas. – Durante os meus anos na secundária, admito ter passado mais tempo a ler os poemas nos corredores da escola do que propriamente nas aulas.

– Creio que continuas a mesma desde a adolescência.

– Gostaria de acreditar nas tuas palavras, Calum. – ela profere, demonstrando-se ligeiramente incomodada com a minha afirmação, mordendo o lábio repetidamente. – Quero ler algo teu.

Hesitante, agarro nos meus pertences determinado com as ideias soltas na minha mente. Em Mântua, captara os vários momentos em que Rya descontraía nos bancos de madeira no parque aprimorado, tendo sempre a atenção e interesse em quem transmitia as suas lamúrias, emoções, medos e receios nuns meros papéis. Não era necessário repensar duas vezes no mesmo assunto. Sabia mais do que ninguém, o que emitir com as minhas recentes aventuras e experiências. Os altos e baixos, as dúvidas, as incertezas, as certas, as sombras. Afinal, sempre oferecera a minha presença e dedicação em troca de uma atitude bondosa e diferente vinda da outra pessoa. Pressiono a caneta de tinta preta no papel branco, iniciando as frases que ocorriam nos meus pensamentos sendo interrompido pelo repentino empurrão que fez com que, caísse para o lado e consequentemente riscasse a minha caligrafia descuidada.

– Tenta ver algo bom em toda a gente. – ela pronuncia num tom quase inaudível, colocando o seu tronco perto da fonte de calor. – É isso que tentas fazer comigo, certo?

– Errado. – murmuro, batucando com a tampa da caneta nas páginas rabiscadas. – É muito mais que isso, Rya.

Overtime · cthOnde histórias criam vida. Descubra agora