viii.

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oito; caminhos infiéis

123KM DE DISTÂNCIA

12H PERDIDAS

2 ARREPENDIMENTOS

Posiciono a almofada revestida com o lençol florado, de modo a não conseguir escutar as batidas repetidas dos nós dos dedos a embaterem na porta de madeira negra. Mesmo que tentasse fingir que estaria ocupadíssimo num sono profundo, a pessoa por detrás da extensa parede permanecia com a sua atitude persistente, referindo-se inúmeras vezes que se encontrava numa situação de emergência de graus incalculáveis. Rendido aos seus pedidos e satisfeito com o descanso merecido, empurro os lençóis com um odor fantástico a colônia,  sentando-me à berma da cama enquanto analisava a enorme janela do motel, com vista para a esplêndida cidade. Mântua. Desconhecera totalmente o local belíssimo, tendo apenas conhecimento da sua existência quando lera a placa de boas vindas à cidade. Perante o meu tronco descoberto, estavam presentes os fracos raios de sol que colidiam contra o meu rosto, juntamente com a vasta florestação em todos os espaços livres.

Escuto novamente os batuques vindos do corredor, sendo forçado a deixar para trás o meu momento preguiçoso. Ergo o meu corpo, agarrando nas roupas pousadas sob o cadeirão creme, envergando de seguida a camisola branca juntamente com as típicas calças pretas. Analiso os meros vestígios de cansaço presentes na minha face no espelho do quarto, ajeitando os meus cabelos despenteados. Destranco a porta e, antes que pudesse murmurar um aborrecido comentário sobre a minha chegada e o porquê de tanta agitação em plena manhã, Rya já tinha desaparecido. Porém, rapidamente reconheci a sua figura no fundo do corredor, encostada ao balcão de atendimento, fazendo-me repensar sobre as minhas futuras questões antes de a confrontar.

– Qual é a urgência? – inquiro, lendo os títulos dos jornais diários expostos sobre o balcão.

– Bom dia, não? – Rya retorque, enquanto segurava firmemente no seu copo de plástico ainda fumegante com o café cálido. – Encontrar um mapa, visto que ninguém se digna a indicar-nos um caminho fiel.

– Pressinto que será necessário anotar uma lista com os meus recentes arrependimentos. – confesso, encostando as minhas costas na parede coberta de papel de parede.

– Não é necessário dizeres duas vezes.

Gargalho levemente com a sua atitude destemida, observando a jovem de longos cabelos negros atados com um elástico e de mochila às costas. Esta que, pousa a sua bebida tórrida sob o balcão, retirando uma das várias canetas do rececionista e um panfleto de promovia viagens de barco, escrevendo um título com a sua caligrafia aprimorada e tão reconhecida pelos meus olhos. Após escrever a sua ideia repentina, Rya arrasta o papel até às minhas mãos fazendo-me alinhar na sua proposta. Quais eram os meus arrependimentos? Claramente as palavras rígidas e exasperadas que pronunciara a Isa e o facto de não ter adquirido um mapa gratuito na estação de serviço.

– Visto que o mapa não percorre o caminho até às nossas mãos, nós revertemos o seu sentido. – Rya profere depois de ler os meus apontamentos, colocando os seus óculos escuros sobre o seu nariz sardento.

Posteriormente à sua declaração intrigante, a jovem abre as portas do estabelecimento esperando pela minha passagem. Abrigados com o céu limpo e o calor abrasador, contornava as inúmeras mesas expostas na esplanada do motel East Village, assistindo aos vários olhares curiosos das pessoas que frequentavam a área. Comtemplava a magnificência das ruas da cidade, completamente abismado e agradado com o que observava; as largas ruas aglomeradas com grupos de turistas, os amadores guitarristas de ruas que trocavam melodias em trocas de gorjetas, os canteiros arranjados e vivos, a calçada de pedra que impedia a passagem e carros e as lojas de recordações de cores chamativas ofereciam um aspeto inigualável à cidade.

– Onde é que esperas encontrar um mapa? No meio de tantas lojas de conveniência... – reclamo, acompanhando os seus passos curtos, provocando um riso nos seus lábios encarnados.

– Aproveita o tempo, Calum. – ela murmura, escolhendo a esquerda como o seu caminho. – Um museu não te parece um lugar indicado e mais...interessante?

Assinto, concordando com a sua teoria de última hora. Desde os meus anos tenros, captara sempre traços bons e ousados nas pessoas, independentemente das suas ações. E, nesta situação isso não mudara. Apesar da sua personalidade indecifrável e incontrolável, Rya demonstrava (por vezes) os seus traços amigáveis e destemidos de modo a apreciar a sua companhia. Todos mereciam oportunidades. Eventualmente, teria de regressar mas, por enquanto ambicionara usufruir de todos os mínimos momentos. Acompanho a sua figura, calcando umas chaves perdidas no calçadão de entrada para o museu, identificando um jovem casal que discutia em frente das mesmas.

– Penso que deixaram cair estas chaves. – aviso, tocando levemente na rapariga de longos cabelos negros que reclamava com o seu acompanhante.

– Céus, muitíssimo obrigada! – ela agradece, virando a sua atenção para o rapaz alto de caracóis loiros à sua frente. – Ashton, prepara-te que estou de regresso ao volante!

Retorno o meu percurso até à entrada do museu, sendo surpreendido pela figura estática de Rya, que analisava atentamente e silenciosamente todos os pormenores do espaço. Entre os seus batuques com as suas botas de cabedal no chão de pedra requintada, a jovem comtemplava os diversos quadros pendurados na parede cinzenta, acompanhados com as molduras revestidas com a tinta quase como ouro. Pouso cuidadosamente a minha mão no seu ombro, ao denotar a forma como mordiscava impacientemente os seus lábios, como se tivesse algo por pronunciar.

– Foi neste mesmo lugar, que visitei um museu com o meu avô com apenas cinco anos. – ela relembra, sem retirar a sua atenção no horizonte. – Ele levou-me a todos os museus pela Europa, ele sim, era uma verdadeira obra de arte.

– Tu tens um plano. – insinuo, reticente do que as minhas palavras poderiam originar na jovem rapariga. – Pretendes visitar todos os lugares por quais passaste em Itália, certo?

– Digamos que quando a morte lhe ligou, ele inocentemente, atendeu. – Rya revela, afundando as suas mãos no casaco de malha. – Apenas quero concretizar o seu sonho.

Enquanto escutava os seus múrmuros quase inaudíveis, apercebera-me da verdadeira razão por Rya ter afastado todas as exposições da galeria do seu avô e ter coberto todas as vitrinas com jornais da data da sua perda. Querendo aliviar o ambiente, denoto a presença dos desejados mapas nos expositores do museu, agarrando num dos inúmeros expostos.

– Calum...

– Acredita, esta é a parte mais simples. – informo, convicto das minhas próprias afirmações. – Resolver o maior problema já pode ser esquecido.

– Tens o mapa ao contrário. 

Overtime · cthOnde histórias criam vida. Descubra agora