7. Fantasmas e Dentes.

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Após duas décadas trabalhando como detetive de homicídios, Robert Dylan raramente se enganava sobre alguma coisa. Mas havia se enganado ao dizer que Emma Greendance fora a primeira vítima de Peter Bowden, e ninguém podia culpá-lo por isso. Afinal, Bob teria que ser capaz de voltar no tempo, para a infância de Peter Bowden, para descobrir sobre a primeira vez em que ele tirara uma vida.

Não uma vida humana. Não uma criança. Um animal. Um white terrier que ganhara de sua mãe ao completar sete anos de idade. O cachorrinho era uma bolinha de pelos brancos com quatro patas que ficava correndo pelo apartamento deles em Ottawa, cagando por todo lugar e mijando na cama de Peter. Por algum motivo desconhecido, a mãe de Pete achara que o filho iria gostar de um bichinho de estimação – afinal, como ela dizia para suas amigas nas noites do Clube do Livro, quando se reuniam para tentar adivinhar quem era o assassino no romance da Agatha Christie que liam naquele mês, Pete era um rapazinho tão bonzinho, mas também tão sozinho e, ah, desde a morte do pai ele se fechara tanto. Com uma voz tão melosa que as palavras saíam de sua boca escorrendo em mel.

E Peter realmente gostara do white terrier, que chamara de Napoleão. No começo, pelo menos. Durante a primeira semana, antes da porra daquele cachorro começar a mijar em seus lençóis, a acordá-lo no meio da noite para brincar e a obrigar Pete a andar seis quarteirões até a loja de ração. Pete desejava que o animal fosse uma coisa movida a pilhas, para ele poder arrancá-las e desligá-lo para sempre. Só que não era simples assim. A mãe, no intuito de presenteá-lo, acabara lhe dando um fardo. Um fardo de quatro patas que soltava pelo e se achava no direito de cagar em seu travesseiro.

Até que, em uma manhã de 17 de julho – Peter se lembraria da data para sempre –, sua mãe saiu cedo para o hospital, onde trabalhava como enfermeira, e deixou o filho sozinho com o cachorro no apartamento deles no vigésimo andar. Eram férias de verão, Pete não precisava ir para a escola e poderia passar o dia jogando videogames, lendo revistas em quadrinhos ou fazendo o que lhe desse na telha. Em resumo: tudo estaria perfeito, não fosse Napoleão abanando o rabo e latindo atrás de atenção. Os sons que o white terrier fazia davam dor de cabeça em Pete, e ele acabou trancando o bichinho no quarto para abafá-los. Foi para a cozinha, encheu uma tigela de cereal com leite e sentou-se no sofá da sala, assistindo desenhos na televisão.

Quando, uma hora depois de ter comido o cereal, Pete entrou no quarto para tirar o pijama, encontrou Napoleão mastigando seus tênis de corrida do Batman. O cachorro cravava e cravava os dentinhos pontiagudos como agulhas no pé esquerdo do calçado, os olhos semicerrados de prazer e deitado – é claro – ao lado de um pequeno monte de cocô na cama de Pete. Àquela altura, o pé direito já tinha sido completamente destruído: estava caído perto do armário, cheio de marcas de mordidas, o desenho do Batman no cano do tênis todo amassado e sem um braço. Quando Peter tentou pegá-lo, Napoleão rugiu para ele. Rugiu.

Peter não sentiu raiva (com o tempo, descobriria que a raiva quase não constava em seu repertório emocional limitado). Sentiu apenas uma estranha calma espalhando-se por seu peito, um sentimento frio e calculista, o tipo de coisa que aqueles atiradores de elite no Iraque devem sentir ao mirar a cabeça de um alvo com seus rifles. Peter Bowden, sete anos e tão sozinho, mas talvez não tão bonzinho quanto sua mãe julgava, pegou o cachorro da cama, colocou-o debaixo dos braço e caminhou até a janela da sala. O bichinho soltou um pequeno latido e lambeu o rosto dele com uma língua rosa e quente.

Pete jogou-o da janela do vigésimo andar.

Houve um baque, um rápido ganido e, depois, silêncio. Graças a Deus. Peter bateu as mãos uma na outra para tirar os pelos brancos que tinham ficado grudados em suas palmas e foi até a cozinha, onde a mãe mantinha um calendário na parede, ao lado da geladeira. Olhou por um tempo para o quadrado do dia 17 de julho e pegou a caneta vermelha sobre o balcão do telefone.

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