6. O Homem da Casa 64 (II).

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Não foi difícil conseguir o endereço do motorista da caminhonete Toyota. A policial Jude ligou para sua irmã em Vancouver, pegou o número da GoHouse e passou-o para o detetive Robert Dylan, que discou usando seu próprio celular. Quem atendeu foi uma mulher de voz tão mecânica que Bob, por um instante, achou que falava com uma gravação.

- Como posso ajudá-lo? – disse a atendente, em um tom desprovido de qualquer emoção senão o tédio. Bob pôde imaginá-la do outro lado da linha, sentada em frente a um computador em um escritório sem graça, segurando o telefone de encontro à orelha com o ombro enquanto mascava um chiclete de tutti-frutti e lixava as unhas postiças das mãos.

- Preciso do endereço de um de seus clientes – ele disse.

- Desculpe, senhor, mas não posso revelar as informações dos nossos clientes. São privadas.

Bob disse que era da polícia e, depois disso, as coisas correram de forma rápida. Ele passou para a atendente o número de registro gravado no pequeno chaveiro em forma de casa, e a mulher – agora soando um pouco menos entediada, mas só um pouco – pediu um instante enquanto verificava o sistema. Bob esperou, mordendo o interior das bochechas e escutando os dedos da atendente esmurrando um teclado. Tec-tec-tec.

- Hum... Aqui está. Gregory Fisk, casa número 64 – ela disse.

- Gregory Fisk?

- Isso. O senhor tem uma caneta para anotar o endereço?

- Não, mas tenho boa memória. Pode falar.

Ela falou e, menos de um minuto depois, Bob estava na viatura com a policial Jude ao seu lado, dirigindo para o endereço fornecido pela atendente.

- O nome dele é Gregory Fisk? – perguntou Jude.

- Tenho quase certeza de que é um nome falso – disse Bob. – Ele teria que ser um idiota para registrar seu nome verdadeiro em um sistema. E, até onde sabemos, esse cara é tudo, menos idiota.

- Foi idiota o bastante para bater a caminhonete em um poste – disse Jude.

- E sabe o que mais me incomoda nessa história do acidente? A garotinha.

- A filha dele, você quer dizer.

- Aí é que tá. Filha? – Bob fez uma careta. – Não engulo.

- Então quem é a menina, Bob?

Bob suspirou fundo e passou para a segunda marcha. A adrenalina já começava a correr por suas veias, como sempre fazia quando ele se aproximava do final de um caso. Após tantos anos de serviço, Bob desenvolvera uma espécie de premonição. Um sexto sentido, como ele gostava de chamar. Pressentia quando as investigações se encaminhavam para um fim e, naquele momento, aquela investigação seguia rumo à sua conclusão feito um trem bala fora de controle.

- Ele mata crianças – disse Bob. – A menina podia ser sua próxima vítima.

O sangue escoou do rosto da policial Jude, deixando-a pálida.

- Ah, meu Deus. Eu não tinha pensado nisso.

Bob acelerou um pouco mais. No começo da década de 90, antes de entrar em decadência, Oldwheel era um polo industrial. A cidade falira há tempos, mas os esqueletos de seus dias de glória e riqueza continuavam por lá: ao longe, as silhuetas das fábricas recortavam o horizonte, suas chaminés em forma de charuto erguendo-se escuras contra o céu azul. A última daquelas fábricas fechara as portas no começo do século XXI, quando o dono do lugar, movido por uma das loucuras que estão sempre à espreita nos confins de toda mente humana, entrou no pátio com uma metralhadora em mãos e decidiu matar seus funcionários. Havia também uma linha de trem, que não era usada há mais de 20 anos. Além dela, um aglomerado de casinhas decrépitas fazia as vezes dos imóveis que a GoHouse alugava.

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