10. A Menina, o Detetive e o Assassino.

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Robert Dylan passara a vida lutando contra o tempo. Mas nunca, em todos os seus vinte e tantos anos de carreira, ele sentira os segundos escapando de seu alcance como faziam agora. Eles escorriam melados por entre seus dedos, debochando dele e de sua urgência, e Bob enfiou ainda mais o pé no acelerador do carro de Jackie. O motor rugiu em protesto e o veículo disparou pelas ruas de Oldwheel. Sentado ao lado de Bob, Jackie xingou e agarrou-se ao banco, olhando para o velocímetro no painel.

- Mais rápido, Bob – disse Jackie. – Mais rápido. Acelere.

E Bob acelerou.

***

Um clarão branco toma conta do mundo de Peter Bowden: um rugido alto de motor penetra sua cabeça como a broca de uma furadeira, algo o atinge com força, há o som de metal sendo triturado e de vidro estilhaçando e, de repente, escuridão. Escuridão total e absoluta.

E ele não está sozinho nela.

Naquela escuridão, ele vê rostos. Faces pálidas que o cercam enquanto ele boia nas trevas. Pessoas. Crianças. Dedos que se esticam para tocá-lo. Os fantasmas. Estão aqui para me levar. Ele tenta se afastar deles, mas ali ele não tem um corpo: é apenas uma alma sendo levada embora para outro lugar. E, qualquer que seja esse outro lugar, Peter Bowden tem a sensação de que não vai gostar dele quando chegar. Eles estarão lá. Quentin Hill, Emma Greendance, Natasha Watson e todos os outros, até mesmo aquele maldito white terrier branco. Estarão lá, sim, à espera dele, prontos para recebê-lo com pompa e festa. Famintos. Com os dentes ansiosos para morder.

Mas...

Mas ainda não, papai.

Certo. Daqui a pouco, talvez. Mas ainda não.

***

Ele abre os olhos. A primeira coisa que vê é o céu escuro: sua cabeça está jogada para trás, a nuca caída contra o capô do Honda Civic, e ele faz um esforço tremendo para erguê-la. Há um cheiro forte de fumaça, e de outra coisa, também. Bowden acha que é gasolina. Tonto, ele tenta levantar o braço direito quebrado, mas não consegue. O membro é como um pedaço de ferro inútil e pesado preso ao seu tronco. O braço esquerdo, no entanto, parece ainda funcionar razoavelmente bem, e Bowden leva a mão ao rosto. Seus dedos tocam sangue e suor. Sua visão, embaçada, transforma o mundo em uma coisa de formas tênues que ficam entrando e saindo de foco. Ele espera enquanto seu cérebro luta para pegar no tranco.

Quando sua vista finalmente volta ao normal – bem, um pouco ao normal, ainda há manchas escuras trotando por toda porra do lugar –, Bowden solta um gemido. Finalmente entende o que é aquela pressão mordendo seu quadril: ele está prensado entre o carro das putinhas e o Honda Civic. Não consegue mexer o braço direito quebrado porque o membro se encontra preso às ferragens. Provavelmente nunca vai conseguir usá-lo de novo.

A única coisa que ele pode usar para sair dali é seu braço esquerdo, e isso vai ter que servir. Bowden pressiona a mão contra a traseira do carro das putinhas e empurra. Nada. Obviamente. Ele tenta de novo, e o resultado é o mesmo. Continua preso. Merda. Um acesso de fúria, algo perigosamente perto da histeria, ameaça tomar conta dele, e Bowden obriga sua mente a se controlar. O pânico não vai ajudar. Respira fundo uma, duas, três vezes, e empurra de novo, com toda força que seu corpo alquebrado consegue reunir.

Uma câimbra se aloja em seu ombro, seu braço esquerdo parece a ponto de se partir como o direito, e Bowden empurra um pouco mais. Nada. Nada. Na... Ah, meu Deus, o carro está se movendo! A magrela deve ter esquecido a marcha no ponto morto. Sorte a minha. Ele empurra, empurra, empurra, e as mandíbulas de metal fechadas em seu quadril se abrem, criando uma brecha mínima, mas isso basta. Pelos céus, se basta. Bowden aproveita a pequena fresta para deslizar para o lado e, no segundo seguinte, está caído de costas no asfalto, arfando e às gargalhadas.

A Mãe de Todos Eles.Onde histórias criam vida. Descubra agora