Capítulo *EXTRA* - Pesadelo constante

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Fortilen City (Colorado) — Estados Unidos, 2015, século XXI

 Horas antes do início:

     A madrugada já estava quase no fim, do lado de fora da janela o céu começava lentamente a ser tomado por um tom de laranja, a rua permanecia em completo vazio. Deitada na sua cama macia Alina se remexia incessantemente aprisionada por um tormento que por dias invadiu seus sonhos — um pesadelo terrível —, tudo sempre começava exatamente igual, era um lugar frio e escuro (apesar do dia claro lá fora). Ela estava acuada no canto sem ter para onde ir, seu rosto estava manchado de lágrimas que não hesitaram em rolar em sua face, usava um vestido branco volumoso que arrastava no chão sujo e empoeirado, mais à frente uma das mulheres murmurou algo, mas a garota não compreendeu o que saía de seus lábios. A menina olhava para as suas pequenas mãos que tremiam, estava tão assustada que sentia vontade de mijar na roupa, naquele canto onde se encontrava sentia um cheiro frio que pareciam cinzas em sua boca.

— Mãe? Mamãe? — Alina gritou com voz infantil, sem êxito.

Seis mulheres, todas vestidas de preto cercaram a entrada esperando temerosas por alguém que se aproximava a cada minuto.

— Eu vou ser uma boa menina — disse baixo, quando viu a sétima mulher entrar na caverna, com seu semblante sério e seus olhos frios, mas a bruxa não lhe deu ouvidos, seu corpo emanava ódio e sua presença trazia temor.

A pequena ouviu quando alguém ali falou baixinho para a feiticeira:

— Lilite, ela é só uma garotinha...

Alina fechou os olhos e ouviu as mulheres falarem sobre ela, poucos segundos depois o cheiro familiar de vela acesa tomou suas narinas e logo em seguida uma ventania quase as apagou. A órbita ocular de Lilite havia se transformado em breu, possuída pelas trevas, a feiticeira pegou um pequeno canivete e cortou seu próprio braço; o sangue pingou no chão sujo e neste momento todas as bruxas começaram a falar palavras que não tinham significado para a garota, mas que arrebatavam cada átomo do seu corpo e continuavam como eco tomando seu ar.

"Quam sanguinis sigillum, et sanguis in carcerem...

Quam sanguinis sigillum, et sanguis in carcerem...

 Quam sanguinis sigillum, et sanguis in carcerem"

Uma neblina preta começou a dar voltas em torno do pequeno corpo da menina de olhos castanhos, seu coração que batia frenético parou de repente trazendo uma forte dor ao peito; depois disso sua respiração já não existia mais, seus olhos nada mais viram, o frio congelou sua pele e em poucos segundos seu corpo se petrificou, como em uma onda forte que queimava a pele começando da ponta do pé até o último fio de seus cabelos ondulados. Tudo se tornou débil e escuro. Não existia mais vida, não existia mais nada...

Seu grito aflito cortou o silêncio, trazendo-a de volta e era como tudo sempre terminava.

— Filha? — Meredith abriu a porta do quarto desesperada. — O que foi? Aquele pesadelo de novo?

Alina nada disse até então atordoada, seu corpo estava gelado, em sua cavidade bucal sentia o gosto de cinzas, ainda com a respiração acelerada aos poucos começou a se dar conta de onde estava vendo a claridade do dia que invadia seu quarto.

— Está tudo bem querida, foi só um pesadelo...

Ela fitou a mãe por um tempo.

— Eu estou bem — disse.

✣✣✣

— Lina, saia já desta cama. Temos uma festinha para ir — Marina falou adentrando o quarto.

— Não vou a lugar nenhum...

— Não com essa cara toda amaçada e esse pijama cafona, claro, mas não vai mesmo continuar nessa cama!

Alina bufou.

— Vamos — Marina falou subindo na cama e empurrando com o pé o corpo magro de Alina que caiu no chão. — Todo mundo está indo ao lago, é o último dia de férias e você aqui mofando nesse quarto! Fala sério. Não tem vergonha na cara?

— Marina, você me chutou? Você me chutou!

— Claro que sim! Para você acordar para vida! Daqui a duas semanas você faz dezoito anos e mais parece uma velhinha caquética — a amiga disse, enquanto se olhava no espelho, admirada —, e por favor anda logo, temos uma caminhada longa pela floresta.

— Já disse que não vou a lugar algum — Alina retrucou.

— Isso é o que você pensa, pois a sua mãe me autorizou a usar a força para te tirar desse cativeiro. E então, por bem ou por mal? — ameaçou séria.

— Você é uma cachorra, Marina!

— Eu sei — riu.

Alina se levantou nervosa, entrou no banheiro batendo a porta e se fitou no espelho por um breve momento, olheiras começavam a marcar sua face. Há muito tempo já não sabia quem era. Tomou um banho rápido e se arrumou, Marina ficou jogada no puff marrom do quarto da amiga, até que a garota estivesse pronta. Minutos mais tarde estavam dentro do carro, indo para o lago, ainda mais tarde Marina parou o veículo no acostamento da estrada cercada de grandes árvores, onde outros carros estavam parados. Um grupo caminhava floresta a dentro e as garotas apressaram os passos.

Alina acendeu a lanterna e sentiu o cheiro de mato e terra molhada arrebatar suas narinas, o clima fresco trazia um certo conforto até este momento.

— Me fala sobre esses sonhos, é tipo um Déjà vu? — Marina falou de repente, baixinho.

— Parece muito real mesmo...

— Lina, há quanto tempo você está sonhando com isso?

— Há umas duas semanas — respondeu pensativa.

— Talvez fosse melhor você procurar a ajuda de um médico.

Alina franziu a testa, descontente.

— Acha que estou enlouquecendo?

Marina riu.

— Não, é que esse começo de ano foi difícil para você, a morte da sua avó, o lance sobre você ser adotada...

Marina parou e fitou Alina por um tempo.

— Não vai falar nada? — questionou.

— Eu estou bem, não preciso de ajuda!

— Certo então — Marina disse voltando a caminhar. — Lembra quando nos conhecemos? Eu tinha perdido minha mãe e você tinha perdido seu pai, isso nos uniu, porque...

— Porque se não fosse isso nunca teríamos nos tornados amigas — Alina interrompeu —, eu sei.

— Pois é, somos mesmo muito diferentes uma da outra, mas isso que aconteceu foi uma barra, e a gente superou juntas, agora você precisa superar isso também, seja lá o que isso  seja — falou seriamente. — Porque você está péssima!

— Nossa... Valeu!

— Por nada — Marina riu, zombando da situação.

— Por que eu estou aqui mesmo? — Alina perguntou retórica.

— Porque a sua mãe disse que eu poderia usar a força!

— Tá legal. Apresse os passos, estamos ficando para trás — Alina disse.

Naquela altura a noite caía com rapidez dando espaço no céu às primeiras estrelas, enquanto isso os jovens da pacata Fortilen City  caminhavam pela floresta.

DarkBlood - Herdeira Sanguínea | Livro IOnde histórias criam vida. Descubra agora