Prólogo

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Fortilen City (Colorado) — Estados Unidos, 1801 início do século XIX

    O ar gélido trazia consigo uma neblina cinza e densa, que bailava pela floresta, penetrando na grama. O cheiro da terra e relva molhada arrebatou as narinas de Lilite, dando indícios da recente chuva que caiu logo ao amanhecer. Enquanto caminhava pela parte deserta da floresta, reparava nas árvores altas de troncos tortos e grossos. O céu estava acinzentado e logo começaria a escurecer, os arbustos baixos faziam a mulher vez ou outra abaixar-se desviando dos que possuíam espinhos. A floresta Fortin, era afastada da vila e os moradores não costumavam andar por aquelas bandas. Cada homem responsável pelo alimento de suas famílias viajavam durante horas até a vizinhança mais próxima para caçar, mesmo sabendo que gastariam menos tempo indo até a floresta, contudo sabiam que nela não existia vida além das folhas e árvores. Somente corvos ousavam circular naquela parte e ainda sim, apenas pela manhã, o que dava a Lilite plena certeza de que não seria interrompida.

A cada minuto, Lilite sentia como se sua pele estivesse rompendo-se com o vento forte que vinha das montanhas, ela usava um longo vestido de cor Preta Pano (um tecido muito fino na época), que cobria seu corpo, nos cabelos ruivos um véu creme deixava apenas o magro rosto à vista. Ela caminhou até uma caverna que sequer era notável, os pés descalços e sujos faziam-na conectar-se com a natureza, mas os olhos escuros não transmitiam qualquer emoção. Lá dentro encontrou-se com outras seis mulheres a sua espera. Elas se vestiam iguais, com capas pretas que cobriam seus corpos e tampavam parte de seus rostos. Escondiam-se da humanidade por serem consideradas desvirtuadas e a escória da raça humana, envolvidas com bruxarias de todos os tipos, magias puras e magias negras. No meio delas muitas velas estavam acesas, formando um pequeno círculo no chão.

Lilite se ajoelhou enquanto as mulheres, ainda de pé, formavam um círculo a sua volta, dando as mãos.

— Lilite, ela é só uma garotinha — falou baixo uma das mulheres, referindo-se a uma pequena garota que ali se encontrava.

— Ela não é só uma garotinha... Não se deixe enganar pelos olhos assustados. Sabemos muito bem o que ela é. Uma aberração da natureza — ela olhou para a garota. — Sua existência é uma afronta ao nosso clã. Não seremos tolerantes, seremos?

— Não, Lilite. Vamos fazer o que é preciso.

— Ótimo.

— E quanto a Conrad? — outra mulher perguntou.

— O que diabos tem ele?!

— E-ele... Ele não irá aprovar isto.

— Escute todas vocês. Conrad nos deixou a maré da nossa própria sorte — falou ríspida. — Vocês não veem?

De longe o corpo de Lilite emanava ódio, sentia-se humilhada e traída. Não deixaria que nada viesse a interferir em seus planos, não servia mais a um rei que caíra em decadência perante seus súditos. Ela era a mais poderosa entre as que ali estavam presente, sua grande magia e petulância lhe fazia temida, muitas vezes o respeito era ganho com uma boa dose de temor. Ainda ajoelhada começou por fim a fazer o ritual, não havia mais tempo a perder.

A pequena garotinha carregava um semblante assustado e se perguntava porque todas a chamavam de aberração. Afinal, o que ela poderia ter feito? Era só uma criança, tão miúda que não sabia o que fazia. Não lembrava de ter feito mau e não sabia porque estava ali, nem mesmo o que iria lhe acontecer, era apenas a pobre filha de uma Camponesa solitária que vivia fugindo. Os olhos assustados da pequena eram de cortar o coração, porém seu destino já estava traçado antes mesmo de nascer. Seus lábios estavam ligeiramente afastados e lágrimas lhe desciam do rosto, sentia medo. Gritou por sua mãe na esperança de que a mesma surgisse de algum canto e a tirasse daquele lugar escuro e frio, porém, seus gritos foram sem êxito.

Possuída pelas trevas Lilite  pegou um pequeno canivete e fez um corte em seu próprio braço, enquanto o sangue escorria pingando no chão sujo e empoeirado, uma ventania invadiu a caverna, neste momento cada átomo do corpo da feiticeira vibrava de energia, quando finalmente disse:

— Estamos prontas.

Sem desviar sua atenção do foco, começou a falar e as outras bruxas repetiram as mesmas palavras em latim, por várias vezes;

Quam sanguinis sigillum, et sanguis in carcerem

(Com sangue selamos e com sangue aprisionamos)

Neste exato momento a pequena e pobre criança foi tomada pelas sombras, seu coração que a pouco batia frenético, parou. Sua respiração cessou, seus olhos perderam o brilho e por fim seu corpo gelou, petrificando. Tudo tornou-se débil e escuro, mas isso seria apenas uma pequena pausa em seu destino. Sua história estaria para sempre marcada pelo sangue.

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DarkBlood - Herdeira Sanguínea | Livro IOnde histórias criam vida. Descubra agora