De volta à vida

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sábado, 15 de julho de 1989

Wolverhampton e Roma

Vestiário masculino

Colégio de Stoke Park

Wolverhampton

15 de julho de 1989

Ciao, Bella!

Como estão as coisas? E como está Roma? A Cidade Eterna vai muito bem, mas estou aqui em Wolverhampton há dois dias e isso parece uma eternidade (embora eu deva admitir que a Pizza Hut daqui é excelente, excelente mesmo).

Desde a última vez que nos vimos resolvi aceitar aquele trabalho na Cooperativa de Teatro Sledgehammer que mencionei, e nesses últimos quatro meses estive planejando, ensaiando e fazendo turnês com Carga cruel, espetáculo patrocinado pelo Conselho das Artes e que fala sobre o mercado de escravos através de histórias, canções folclóricas e algumas mímicas bem chocantes. Estou anexando uma cópia malfeita de um folheto para você ver como se trata mesmo de coisa fina.

Carga cruel é uma peça do TE (Teatro na Educação, para sua informação) destinada a garotos de onze a treze anos, com uma visão provocativa da escravidão como Coisa Ruim. Faço o papel de Trevor, o... bem... sim, na verdade é o PAPEL PRINCIPAL, o filho mimado e vaidoso do malvado senhor Obadiah Grimm (pelo nome já dá para perceber que ele não é muito boa gente, não é?), e no momento mais intenso do espetáculo eu de repente percebo que todas as minhas coisas lindas, todos os meus ternos (ternos exclusivos) e sapatos (também exclusivos) foram comprados com o sangue de outros seres humanos como eu (snif, snif) e me sinto sujo (olho para minhas mãos como se estivesse VENDO SANGUE), sujo até a AAAALMA. É uma cena muito forte, embora ontem à noite tenha sido arruinada por alguns garotos atirando bombons na minha cabeça.

Falando sério, na verdade não é tão ruim assim, não no contexto, e não sei por que estou sendo tão sarcástico, provavelmente por conta de algum mecanismo de defesa. Na verdade a resposta dos garotos que assistem ao espetáculo, os que não jogam coisas na gente, é muito boa, e nós fazemos umas oficinas bastante animadas em escolas. É incrível como esses garotos sabem pouco de sua herança cultural, de onde eles vêm, mesmo os jovens do Caribe. Gostei de escrever a peça também, me deu um monte de ideias para outros espetáculos e coisas do gênero. Então, acho que vale a pena, mesmo que você considere que estou perdendo o meu tempo. Eu continuo achando que a gente pode mudar as coisas, Louis, de verdade. Lembro que eles tinham muito teatro radical na Alemanha nos anos 1930, e veja só que diferença isso fez. Nós vamos acabar com o preconceito racial aqui em West Midlands, nem que tenhamos que fazer isso com uma criança de cada vez.

Somos quatro no elenco. Joseph é o Escravo Nobre e nós nos damos muito bem, apesar de fazermos o papel de senhor e serviçal (embora outro dia eu tenha pedido para ele comprar um pacote de batata frita para mim e ele tenha me olhado como se eu o estivesse OPRIMINDO ou algo assim). Ele é legal e faz um trabalho sério, só que chora muito nos ensaios, o que considero um pouco demais. Ele é meio chorão, se você entende o que estou dizendo. Na peça deveria haver uma poderosa tensão sexual entre nós dois, porém mais uma vez a vida não consegue imitar a arte.

Depois tem o Dave, que faz o papel do meu pai malvado, o Obadiah. Sei que você passou toda sua infância jogando críquete num grande campo de camomila e nunca fez nada tão vulgar quanto assistir à TV, mas Dave já foi bem famoso num seriado policial chamado City Beat, e o desgosto que sente por ter sido reduzido a ISSO transparece em tudo. Ele se recusa terminantemente a fazer mímica, como se estivesse abaixo dele ser visto com um objeto que na verdade não está ali, e todas as frases dele começam com "quando eu trabalhava na TV", que é a maneira de ele dizer "quando eu era feliz". Dave faz xixi em pias, usa uma dessas medonhas calças de poliéster que a gente LIMPA em vez de lavar e vive de tortas de carne compradas em postos de gasolina. Eu e Joseph achamos que no fundo ele é racista, mas fora isso é um homem adorável, muito adorável.

One Day || Larry StylinsonOnde histórias criam vida. Descubra agora