Kamylla
Kauanne passou a noite se jogando nos braços do general Hilton, senti que ela queria que a irmãzinha dela participasse da brincadeira, mas eu não estava no clima.
Aquele general me dá nos nervos.
Uma coisa é os guerreiros de Sky, ou algum outro soldado, mas aquele general me deixa inquieta, com o pé atrás, julgando pelo barulho no quarto da minha irmã, ela deve estar passando muito bem!
A cama bate na minha parede produzindo um barulho ensurdecedor.
Não aguento mais ficar aqui.
Saio da ala dos patrulheiros, a madrugada está fria, sinto o vento gélido em meus ombros descobertos, paro na ponte que liga o Castelo Real e nossos aposentos, os súditos da coroa!
Quanta bobagem.
O vento teima em me incomodar, bagunçando meu cabelo loiro que está solto, a minha frente avisto a Floresta Encantada, onde os unicórnios foram roubados, a baixo passa um braço do rio de Heavlen, com uma pequena e curta cachoeira pendendo ao lado do Castelo em meu lado esquerdo, e a minha direita, a festa!
Festa não! Despedida!
O Rei diz que foi uma festa conquistada e esperada à meses, e realmente seria, se ela não tivesse sido regada a tristeza e incertezas, olho mais atentamente para meu povo que ainda se agarra a seus familiares, numa tentativa de alongar os minutos, dançam, bebem, contam piada, riem, mas eu conheço essa sensação.
Foi assim com meu pai, foi assim com a minha mãe.
A sensação ainda está aqui dentro. Se eu fechar meus olhos, sinto toda a dor tomar conta do meu ser.
Eu era pequena, tinha 7 anos quando uma festa parecida com essa foi a última lembrança deixada por meus pais.
Eles saíram para o reino dos feiticeiros levando suprimentos para barganha e ouro, estavam acompanhados de alguns soldados, visto que eles não eram da guarda, sendo somente conselheiros do rei.
E meses depois, somente alguns meses, a notícia chegou.
O navio naufragou na costa, e os elfos não chegaram a tempo, e eu tomei a responsabilidade de proteger minha irmã pro resto da vida. Minha gêmea. Minha cúmplice. Minha companheira.
Sempre compartilhamos tudo, segredos, roupas, maquiagem, rapazes, sentimentos.
Mas esse general eu dispenso!
Não sei o que a Kau viu nele.
E pensando bem, não quero saber!
Me abraço na tentativa de esquentar meu corpo. Não posso voltar para meu quarto enquanto aquilo não acabar, e também não quero descer pra essa despedida mascarada de festa. Ouço alguém se aproximar e faço de conta que estou distraída. Sinto algo ser repousado em meus ombros, vejo uma capa azul, um guerreiro de Sky, provavelmente, só eles possuem tal vestes, não me movo um centímetro, e um homem se posta a meu lado, não me dirige o olhar, olha em frente, a Floresta Encantada.
Ele não fala nada, eu também não. Mas já sinto o frio se esvaindo de meu corpo. Devo agradecer, mas desisto. Não quero quebrar esse momento perfeito. Silencioso. É assim que tem que ser.
Olho pra ele de canto de olho, e vejo que sua respiração está tranquila, compassada, ele não se mexe, não fala nada, e eu agradeço por isso. Não quero conversar.
Alguns minutos depois, me movo, tiro a capa azul escura dos meus ombros e a coloco no parapeito da ponte. A única coisa que consegui dizer antes de me ausentar foi "obrigada", e o deixei ali.
Tento voltar ao meu quarto, na esperança de minha irmã já ter sossegado, e adivinhem?
As batidas cessaram para minha alegria, e agora terei meu descanso merecido.
Adormeço e tenho um sonho esquisito. Minha mãe e meu pai estão me chamando para entrar no navio que eles irão partir, minha irmã chora ao meu lado, mas não consigo chorar, por mais que eu queira, não cai uma lágrima. Tento me livrar de quem me segura, mas seu aperto é forte o bastante e não obtenho sucesso, Kauanne não luta, aceita que não podemos lutar, aceita que não há nada a fazer, minha mãe chora disfarçadamente, vejo muitos baús serem carregados para dentro do navio, na fechadura deles o símbolo de nosso reino, o escudo de Heavlen com duas flechas cruzadas, e em outros um símbolo que hoje sei seu significado, a marca dos feiticeiros, após o embarque dos meus pais naquele dia, eu corri pra biblioteca e minha irmã pro nosso quarto, ela foi chorar, e eu fui pesquisar aquele símbolo. Todo feiticeiro tem a marca, que se tornou seu símbolo oficial, um raio, um raio que simboliza que o poder vem da energia deles, sem energia não há poder algum. E com minhas pesquisas, descobri que a melhor maneira de ataca-los é os deixando fraco, "deixe-os cansar, e vença-os"!
Meu sonho se torna estranho, o navio já está em alto mar, conheço esse litoral, não tenho mais sete anos, estou na atualidade, não há ninguém perto de mim, estou perto da Pousada da Tia Mey, o navio fica cada vez mais longe, eu posso ir até ele, evitar que eles morram, mas não consigo me mover, estou cravada ao chão, algo brilhante chama minha atenção na mata atrás de mim, o sol reflete alguma coisa, atrapalhando minha vista, tento proteger meus olhos com as mãos, e escuto o barulho de madeira se partindo ao meio, volto a olhar para o navio, que já afunda em minha frente, minha mãe grita, meu pai pede socorro, os soldados.... ah, eu não consigo me mexer, quero ajudar, eu posso ajudar, mas estou presa, nessa areia movediça, e estou afundando, lentamente, olho de um lado ao outro, não há nada em que eu possa me agarrar pra sair daqui, o sol reluz um brilho de algo na mata, me deixa quase cega, o navio afunda, os gritos dos meus pais continuam, e sou sugada pela areia movediça.
Me entrego a escuridão.
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30 Noites
FantasyA liberdade tão aguardada por Rarin, é o início de sua nova prisão. Após cinco anos, Amanda retorna para seu novo e definitivo lar, a felicidade de sua volta é interrompida pela ameça de uma guerra que pode custar muitas vidas. Imaginar seus...