° PRECIPÍCIO °

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"Eu poderia arrastar você do oceano

Eu poderia puxar você do fogo

E quando você estivesse nas sombras

Eu poderia abrir o céu ... "


Minha mente vaga entre a escuridão e a dor. O ar falta em meus pulmões e tudo roda ao meu redor. Sento-me na cadeira de couro atrás de mim, e tento me acalmar. As lembranças da noite em que a encontrei machucada e muito ferida, emocionalmente, em um beco escuro voltam em minha mente com toda a força.

Naquela noite, logo após a aula de dança, algo me fez querer ir embora a pé já que minha irmã estava gripada em casa. Eu precisava de uma longa caminhada, respirar o ar puro e colocar as ideias em ordem. A noite em Hamburgo estava fria e nebulosa, mais que o normal, o céu estava tão negro que não se podia ver as estrelas. O centro de dança fica em um bairro de classe média, um lugar calmo e rústico para morar. Estava andando pelas ruas quando um pequeno gemido me chama atenção. Abaixo meu capuz e pego minha arma dentro da bolsa. Olho para os lados vendo se há alguém, a rua estava escura sendo iluminada pelos postes de luzes, que algumas vezes piscavam.

- Hmm...

O som se torna mais alto, conforme me aproximo de um beco entre dois prédios de tijolos vermelhos.

- ... Ajuda...

A voz de uma mulher me chama a atenção, fazendo-me caminhar mais rápido. Paro em frente à entrada do beco e chamo...

- Quem está aí? – pergunto com a arma estendida.

Um breve silêncio se forma até que posso ouvir lamentos de dor atrás de uma caçamba de lixo. Caminho e encontro o corpo de uma mulher completamente machucada. Ela vestia apenas uma camisa branca que ia até o meio de suas coxas, e que se encontrava muito suja. Seu corpo tinha luxações e muito sangue. Seu rosto estava muito inchado. Ela tremia e chorava baixinho. Me ajoelho no chão perto dela e ela tenta se afastar assustada, mas a dor lhe consome fazendo-a parar.

- Calma. Eu não vou te machucar. – falo baixo.

Ela vira o rosto e vejo o olhar de uma mulher sofrida, que teve que lutar muito pela vida. Uma mulher jovem e muito bonita.

- Me ajude, por favor. – ela pede chorando.

- Vou ajudar, querida, eu prometo.

Depois daquele dia ajudei-a a se reerguer pouco a pouco. Fomos criando uma grande amizade e um laço muito forte. Logo fui descobrindo a mulher louca e extrovertida que ela é, seu brilho e vontade de viver foram surgindo aos poucos conforme ela ia reaprendendo a viver. Foi então que um dia apresentei Felícia ao meu mundo. O que eu não imaginava era que todos aqueles que entram nesse mundo pela dor, um dia voltarão para ela. Felícia está na lista das pessoas que me nego aceitar perder. Ela foi a primeira amiga que tive na minha vida, alguém que, de forma inexplicável, conseguiu ganhar minha confiança e respeito do dia pra noite.

- Os dois agentes que foram com ela, foram encontrados mortos dentro do cofre. Além de cinco outros seguranças que trabalhavam no banco. O rastreador dela, o mesmo que todos aqui da ONSSA possuem foi destruído assim que sua localização chegou em Macau. Buscamos e encontramos algo relacionado a essa máfia. – Berhtram continua a falar.

- O que encontraram? - pergunto temerosa.

- Tráfico de mulheres.

Um grito baixo rasga minha garganta. Lágrimas se juntam em meus olhos, mas não permito que elas desçam. Ao longe ouço o barulho dos pés da cadeira rangendo no chão e logo alguém pegar meu rosto entre suas mãos.

Marcada pelas ChamasOnde histórias criam vida. Descubra agora