Sem Fome

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A PRIMEIRA VITIMA FOI ENCONTRADA A NORTE DE IRTA. Decapitada. Era uma mulher, perto dos quarenta. O seu rosto sábio e sereno estava em cima da sua mesa de cabeceira. E seu corpo, com uma camisa de dormir branca, encontrava-se na cama, de barriga para cima e braços abertos como se aceitasse a morte.

No centro da capital, um general aposentado, foi encontrado desmembrado, a meio da manha encontraram o resto do membros em estendais espalhados pela cidade. Somente os dedos não foram encontrados. Era a imagem de marca do assassino, portanto.

A Condessa, uma carta de tarot Germinise, foi encontrada em cima de um guarda às portas da capital. A Condessa significava o karma, a remissão para a evolução, resgates de dívidas espirituais. Dificuldades, o sacrifício que liberta com certeza de vitória no final. Olhando para o corpo do homem via-se que foi apunhalado na barriga mas que mesmo assim tinha lutado contra a morte certa.

Uma madame, de grande reputação, foi morta. Degolada. O assassino deixou a sua marca bem no centro da testa. Uma estrela de onze pontas.

Intestinos, estômago e vários outros órgãos tinham saído da barriga aberta do capitão do barco e postos em circulo no chão, em redor do corpo do homem, que pela sua cara de terror, tinham lhe feito aquilo ainda vivo.

Numa igreja, um sacerdote estava petrificado em cima do altar dos deuses. Morto mas em pé. Como se os músculos tivessem-se transformado em pedra. Um guarda fez um corte com uma faca no braço do homem. O sangue tinha desaparecido.

*

Laetes já sabia que o medo era pior que a fome. Ele já sabia que muitos ladroes e assassinos de Irta iriam desistir de fazer o seu trabalho por causa disso. E ele também sabia que com a falta dele, iriam chamar assassinos de outros Reinos e cidades. Assassinos melhores, assassinos que querem se tornar lendas, que as suas historias sejam contadas às crianças para não dormirem à noite, que uma pessoa que esteja sozinha em casa e ouça um barulho na escuridão pense logo nesse assassino.

Isto podia ser mau para ele. Mas ele não tinha medo. A única pessoa que o descobriria já o encontrou. A única pessoa que o poderia matar ainda não o fez.

*

Depois de verem todos os corpos, Daemon e Zelina, ficaram agoniados. Ela não o demonstrou. Embora estivesse habituada à morte alguns daqueles corpos a tinham deixado com vontade de vomitar.

Tinham matado por diversão, por prazer, coisa que Zelina nunca fez. Ela matava porque tinha de ser. A sua única marca era uma pequena faca com um laço vermelho, espetada bem em cima do coração, só para dar um pouco de dramatismo. E porque gostava que todos soubessem que tinha sido ela. Era bom para arranjar contratos.

- Fiquei sem fome. - disse o príncipe.

- Deuses das Montanhas Aladas! - Zelina fez um ar teatralmente escandalizado. - Está a sentir-se bem, principezinho? O facto de estar sem fome, em si, é preocupante.

Ele devolveu-lhe um olhar gélido, que fez a espinha de Zelina se arrepiar. - Cortesã! - disse-o tão alto que todas as pessoas em redor dela olharam.

Que vergonha!

Estavam no meio de uma das avenidas principais, depois de saírem da igreja, e a multidão era imensa.

As pessoas olhavam horrorizadas para ela.

- Hoje, virá para meu quarto depois de jantar mas agora deixe-me e vá comprar algo de provocante, combina mais consigo, que esse vestido de lady não lhe fica bem.

Ele estava a insultar. À frente daquela gente toda.

Aquilo acertou em cheio no coração.

Queria mata-lo. Oh se queria. Bem ali, para toda a gente ver.

Ela continuou a encara-lo e ele deu um sorriso torcido, convencido, como se soubesse que tinha ganho - Vá, cortesã, não necessito mais dos seus serviços, por agora.

Tinha sido rebaixada. Nunca ninguém a rebaixou na vida.

Por Xerves, por ele tenho de aguentar. E sim, irei ter com o principezinho hoje à noite para saber todos os seus horários, toda a sua vida e dar a Laetes, para que o assassine.

As palavras custaram-lhe a sair da boca - Alteza, ainda não me fez o pagamento semanal, como posso comprar algo sem dinheiro?

Se ele queria jogar esse jogo ela iria entrar nele também.

Do bolso do casaco preto ele retirou um saco de moedas e atirou-lhe para o chão.

Mais humilhação.

Ela agarrou o saco de veludo, fintou Daemon, que ainda olhava para ela cheio de odeio e disse - Vejo-o logo, Alteza.

Virou-lhe as costas e seguiu, tentando caminhar calmamente embora, por dentro, a raiva se tivesse a apoderar do corpo dela. Tinha de descarregar. E ela sabia o sitio indicado para começar uma briga.


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