A Grande Arena

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A ÚNICA ILUMINAÇÃO, que impedia Zelina de tropeçar mais, provinha da Lua Cheia. Mesmo assim, num bosque repleto de ervas e raízes salientes, até de dia era complicado não cair. Estavam num dos meses mais quentes do verão mas a noite estava gelada e Zelina, com três anos de idade, de camisa de dormir branca, não estava propriamente contente com aquele passeio nocturno.

O homem, que lhe segurava na mão com força e levava Xerves, que dormia em seu colo, era alto, com cara estranha que fazia lembrar um boneco de cera, sem expressão, nem fogo no olhar. Ele vestia uma longa túnica castanha que lhe chegava aos pés. Parecia levitar enquanto andava, visto que não tropeçou uma única vez.

Ela não sabia para onde iam, nem se lembrava de como tinha ido ali parar mas resolveu não fazer perguntas, pois o homem, certamente não iria responder.

Mais adiante conseguiu avistar uma casa, modesta de madeira, e à medida que se aproximavam algo azul começou a piscar no telhado.

Um calafrio percorreu-lhe o corpo. Estava com frio sim, mas aquele arrepio era de medo. Um terror que nunca tinha sentido na vida.

Era só uma casa, com uma luz azul. Pensou, para se acalmar. Virou seu rosto mais uma vez para o estranho que a acompanhava e viu.

Gritou e seu irmão começou a chorar. Era horrível o que estava a acontecer com aquele homem.

Fendas no rosto pálido se abriam e lá de dentro saía uma luz azul, pareciam chamas. Seus olhos estavam agora todos brancos.

Voltou a gritar. Tentou se livrar da mão que a segurava mas ao tentar fazê-lo, sem êxito, reparou que a mão estava, também, cheia de fendas e com a tal luz.

Luz essa, que à medida que se aproximavam da casa, ficava cada vez mais forte.

Era impossível se livrar, ele - ou a criatura - não a largava. E seus gritos, que ecoavam pelo bosque fazendo pássaros voar para um sitio mais seguro, pareciam não fazer a menor diferença. Ele continuava a andar em direcção a casa de madeira.

Faltavam poucos metros para chegar quando a porta se abriu com um ranger e uma velha saiu, coberta com um manto negro que somente lhe revelava o rosto repleto de rugas e sardas.

A velha sorriu para a criatura quando esta parou à sua frente. Em seguida olhou para Xerves e depois para Zelina.

A sua expressão mudou completamente quando fintou a menina, já não sorria, parecia uma mistura de confusão, ódio e desprezo? - Não devias ter nascido fêmea, minha pequena. Ninguém deveria nascer, tendo a maldição a correr nas veias.

Ela agarrou na mão de Zelina, que soltou um gemido com a força que exercia, e depois pegou Xerves dos braços da criatura. E sem dizer mais nada, virou costas e fechou a porta.

Zelina nunca tinha gritado daquela maneira.

*

Empertigou-se na cama, arquejante, o cabelo encharcado em suor frio colado ao pescoço. Tinha os pulsos presos; tentou libertar-se e deu-se conta, então, de quem os prendia.

- Daemon!

- Onde estiveste hoje à noite? - sua voz não soava nada amigável, ela sentia o seu hálito a vinho perto do seu rosto.

Sentiu-se um pouco confusa, tinha acabado de ter aquele sonho, que tinha sempre que era Lua Nova. - Larga-me!

- Onde estiveste hoje à noite? - repetiu ainda mais agressivo.

- Tu realmente tens problemas graves com o bater à porta, não é? - Um gemido saiu da boca de Zelina quando Daemon quase lhe esmagou os pulsos - Onde achas que eu estive? Porque não perguntas ao guarda que puseste de vigia à minha porta? Tenho a certeza que ele pode responder com toda a verdade, verdade essa que se uma assassina a desse, tu nunca acreditarias.

União dos AssassinosOnde histórias criam vida. Descubra agora