Os Sete

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O MERCENÁRIO BATEU A CANECA NA MESA - Ah! - disse ele, cheio de satisfação e limpou a boca à manga da camisa enquanto uma prostituta, com seios bem volumosos, brincava com os seus pêlos no peito.

Já farto de beber, pagou a conta com uma moeda de prata, subindo em seguida pelas escadas, em direcção do seu aposento recém alugado, para outro tipo de diversão com a sua companhia barata.

Ele entrou no seu quarto enquanto beijava a prostituta intensamente e logo bateu a porta.

No quarto em frente, um Ex soldado de Rivielli levou 10 minutos a vasculhar o quarto em busca de sinais de perigo ou buracos pelos quais podia ser espionado; foram dez minutos em que pinturas saíram da parede amarelada, moveis foram arrastados e a madeira do chão batida, para ver se havia algo oco por baixo. Ia fechar a cortina gasta da janela mas parou por uns momentos ao ver uma sombra, la em baixo, a dirigir-se as docas.

Pouquíssimas pessoas vagueavam nas ruas embora luzes ainda estivessem acesas nos bares e bordeis por onde a Sombra passava.

Chegou perto das docas e foi, silencioso, para o armazém onde o seu cliente o esperava.

Não, não iria entrar pela porta.

Os sombras não são humanos, os sombras são sombras, são vultos negros. São, somente, energia.

Entrou pela janela entreaberta, sem qualquer custo.

La dentro, o cheiro a peixe era insuportável mesmo tendo um lenço à volta do rosto.

Sem se fazer sentir, ziguezagueou pelos caixotes e estantes abarrotadas de caixas até chegar perto do homem que o esperava.

Ele estava de costas com um manto negro sob os ombros. Sombra não iria dizer nada, iria ficar ali, a observar o homem ate que este reparasse nele.

Demorasse o tempo que demorasse, o Sombra não tinha pressa.

Passado uns minutos o homem virou-se, suspirando, pensando que ninguém vinha a seu encontro e quase caiu ao chão quando viu uma sombra negra à sua frente.

- Deuses das montanhas aladas, quer-me matar de susto? - disse ele com os olhos arregalados.

Silêncio.

O homem recompôs-se e apontou para uma cadeira a seu lado. - Por favor, sente-se.

O sombra não se moveu, nem emitiu qualquer som.

- Bem, - disse o homem - já vi que não é de conversas. - retirou da algibeira um saco, que pelo barulho ao cair na mesa de madeira, estava cheio de moedas - Aqui esta o pagamento, espero receber noticias em breve, visto que isto já devia ter sido feito. - o homem virou-se de costas - Maldito Rei, que ao fim de anos a conviver com ladroes, assassinos, agora decide enforca-los a todos. Não sei como isto vai ser, vocês, assassinos, estão cada vez mais caros, mais vale...

O sombra deixou o homem a falar sozinho, pegou nas moedas, sem se ouvir, e saiu pelo mesmo sitio em que entrou.

Não se interessava pelos problemas de Irta, nem por algum problema em geral.

Olhou para o céu antes de arrancar, mas a sua atenção foi para um telhado, onde um homem estava sentado a beber uma garrafa de vinho.

- Vinho de merda. - disse o burguês falido, atirando a garrafa do telhado para a calçada, mas antes de ver o estilhaçar do vidro, ainda teve tempo de avistar um sombra a observa-lo lá em baixo e desaparecendo em seguida.

Sabia muito bem o que eles eram, tinha passado três meses nas grutas de Finiciarris a treinar com eles... e elas. Ele nunca soubera distinguir, todos usavam roupas negras dos pés à cabeça, a única coisa que se via eram os olhos sem vida, sem um pingo de emoção, pareciam mortos por dentro. Foram os três meses mais silenciosos que passou na vida. Os sombras não têm voz, à nascença as cordas vocais são-lhes retiradas e oferecidas a deuses que eles acreditam, são deuses diferentes, deuses de chama azul.

O burguês olhou para o horizonte à sua frente, onde num mar negro e calmo, os primeiros raios de sol começavam a aparecer, assim como um navio grandioso. Muitos navios iriam passar pelo cais nas próximas horas, o motivo era o feriado, dali a dois dias, em homenagem a Kitra, a rainha e mulher do primeiro rei de Markien que tanto bem fez a este reino.

O medico via a cidade estava a aumentar cada vez mais, aquela longa viagem de barco estava a chegar ao fim.

Iria ter uma vida nova em Irta, o seu consultório já estava reservado, era só desfazer as malas e começar a trabalhar.

E ia finalmente tirar aquela mascara branca com nariz de papagaio, pelo menos ao dormir, pois se os clientes lhe vissem a cara queimada nunca mais apareciam no consultório. Mas o pior era se alguém o reconhecesse.

Em Thorkan tinha ficado conhecido com o Medico Torturador, em Rivielli por Medico Coleccionador de Orgãos e em Villarius o Medico Estripador. Cada alcunha melhor que a outra, mas todas verdadeiras, e em Markien queria coleccionar mais uma alcunha.

A actriz, que andou a tratar, atenciosamente, nos últimos dias aproximou-se dele. Ela olhava para Irta com um sorriso malicioso nos lábios perfeitos. - Já estamos quase la.

- Sente-se melhor?

Esta assentiu, não tirando os olhos da capital. O medico sabia, ela iria para la não só para se lançar como actriz.

- Desejo-lhe sucesso, Phia. - disse ele sombrio.

A actriz olhou para ele, franzindo a testa, como se ele tivesse descoberto o seu segredo - Igualmente, doutor.

E saiu ate ao seu camarote.

Faltava pouco para Phia chegar à tão famosa capital de Markien, sonhava com aquilo desde que era pequena.

Ela podia ser actriz, sim, ela era uma óptima actriz, uma das melhores da sua geração, mas o que lhe dava mais prazer.... E dinheiro era matar. E agora com a crise de assassinos por causa da nova lei do Rei de Markien contava trocar o seus vestidos do baú por moedas de ouro.

Pela janela redonda ela viu o sol, timidamente, a erguer-se.

Desviando-se de poças de sujeira, vómitos e sabesse lá mais o quê, a cigana consegui já ver o sol lá ao fundo, perto do mar.

Havia poucas pessoas nas ruas, somente bêbados maltrapilhas e cambaleantes, prostitutas cansadas após uma longa noite e uns quantos sem-abrigo deitados dentro de caixas de cartão.

- Seja bem-vinda, a Irta, a capital do grandioso reino de Markien. - murmurou a cigana enquanto caminhava para o centro da cidade.

União dos AssassinosOnde histórias criam vida. Descubra agora