II - E se me tentasse... Eu resistiria.

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Você nunca vai me deixar sozinha, não é? É incrível. Você vem, impõe sua presença e espera que eu conviva com isso naturalmente. Sem me afetar. Sem me acostumar. Você vem e sorri. Sorri para mim. E espera inocentemente que eu continue a mesma depois disso. Sinto dizer, meu querido, nem tudo é como desejamos.

 - Sabe, - ele dizia, sua voz transpassando as barreiras de meus pensamentos e penetrando em minha mente. Eu pisquei uma ou duas vezes, não sabia dizer. – mas você precisa prestar atenção se quiser aprender alguma coisa.

Eu bufei. Já fazia um mês que estávamos estudando matemática juntos, e eu havia melhorado. Não havia como negar que minhas notas estavam melhores do que antes, altas até. Mas o preço a pagar por isso estava sendo muito caro e intenso.

- Eu não gosto de regras. – eu disse a ele. Meus olhos em meu caderno cheio de números, alguns feitos por mim, mas a maioria tinha a caligrafia caracteristicamente masculina de Kaio.

Era engraçado dizer que a personalidade dele condizia com o que diziam por ai, não que eu tivesse esperado por algo diferente. No entanto ao levar em consideração toda a coisa sombria que o protegia de algo, eu poderia dizer que estava levemente decepcionada por ele não se mostrar uma pessoa... Uma pessoa diferente. Ele ainda era Kaio; Intenso, tenaz e expansivo. Seus olhos ainda eram âmbar, seus cílios ainda eram longos demais, sonolentos demais. Sua voz ainda era rouca demais e suas mãos quentes demais.

Nada nele era confortável ou reprimido. Como eu disse, expansivo.

Então, eu poderia dizer que era um esforço tremendo me concentrar no que ele dizia, ou estava escrevendo. Porque, a culpa era dele, por ser tão opressivo. Eu sempre sabia quando ele chegava ou saia. Sempre sabia quando ele estava no mesmo lugar que eu. Quando Kaio estava comigo, eu sempre poderia dizer se ele estava sorrindo ou sério, no entanto, meus olhos sempre se levantavam para checar mesmo assim. E em momentos como agora, quando eu enfim conseguia tirá-lo da mente, ele me puxava de volta a ele.

Era irritante.

Kaio riu, baixo e suave. Eu baixei meus olhos mais ainda, gritando a mim mesma que não os levantasse para olhar. Nem a seu sorriso bonito ou a seus olhos âmbar. – Você nunca me disse isso.

Eu segurei meu lápis e o rolei entre os dedos, meu rosto se desviou para as montanhas de livros ao meu redor. Linda imagem. Reconfortante. Respirei aliviada. – Você tem como me ensinar matemática sem as regras?

- Não.

Eu suspirei quando reconheci a lombada de um livro da Jane Austen. – Esse é ponto.

Ouvi o farfalhar de papeis e o fechar de livros, o calor de sua aproximação e então ele não mais estava sentado a minha frente, seu ombro tocava o meu bem ao meu lado. Eu olhei para cima enfim, encontrando-me com seus olhos de cor intrigante. Ele não me olhava, mirava um ponto entre os livros, seus olhos perdidos.  – Você é muito prática. – ele puxou um fio solto em sua bermuda jeans, desbotada. Hoje Kaio usava uma camisa leve de cor verde, essa sua bermuda jeans e allstar. Eu descobri ao observá-lo durante as nossas aulas, que ele gostava do conforto e não se importava com como parecia. – Geralmente pessoas práticas adoram matemática.

Dei de ombros. – Bem, eu não.

Achei que aquela conversa estava se tornando muito estranha e me levantei, meu contato com Kaio era estritamente educacional, se é que se podia dizer isso. Na escola, eu ainda era a invisível, desinteressante Suzanna. E eu gostava disso. Kaio havia tentado conversar comigo apenas uma vez na escola, e eu tratei de esclarecer que agradecia o esforço que ele estava fazendo, que agradecia pelo tempo que ele empenhava em mim, mas, que não gostaria de que ele se sentisse educado e estendesse nosso relacionamento – se é que tínhamos um. – para fora daquela biblioteca.

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