IV - E se eu o mandasse ir... ele ficaria.

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Acho que te devo os parabéns pelas notas altas em matemática. Soube por ai que a sua nota foi uma das maiores da turma. Hmm. Se eu ainda fosse seu professor, te daria um beijo por tão importante êxito. – K

Ps: te daria um beijo no rosto, é claro... ou não.

- Bilhete encontrado entre as folhas do caderno escolar de Suzanna Reverton

Olhei para o bilhete preso entre meus dedos e questionei-me por alguns instantes se eu estava ficando louca ou distorcendo a realidade como algumas pessoas nos livros costumam fazer. Para mim essas duas coisas não tinham diferença alguma, mas eu sabia que era injusto pensar assim. Loucura e distorção deveriam ser conceitos divergentes. A psicanálise deveria ter inúmeros artigos falando disso. O fato é que fazia cinco minutos em que eu estava de pé na sala de aula vazia olhando pra as letras claramente masculinas maculando os espaços em branco da folha de um caderno comum.

Há mais ou menos quatro dias eu havia dito as coisas mais horríveis para o suposto dono dessa letra. E ele havia ficado magoado comigo – pude ver isso em seus olhos -, não fazia sentido algum que Kaio estivesse me parabenizando agora. Eu quase podia sentir o sabor do seu sorriso através das palavras brincalhonas. Tinha gosto de raio de sol e mel aquecido.

Eu não sabia o que pensar.

Quando retornei a sala naquele dia, depois de pedir licença para ir ao banheiro, encontrei o bilhete colocado estrategicamente entre as folhas do meu caderno. Alguém havia deixado aquilo ali com a intenção clara de que só eu tivesse acesso – o bilhete estava quase inteiro perdido entre as folhas do meu caderno. Apenas uma ponta se sobressaia, mas quem estivesse sentado no meu lugar, em minha cadeira, poderia ver o cursivo “K” solitário no verso do bilhete.

Eu me perguntei se era errado sentir o calor borbulhando e se espalhando por meu peito. Aquela sensação que você só sente quando consegue tomar um gole generoso de um verdadeiro champagne. Perguntei-me se o medo que empurrava a sensação boa também era considerado uma consequência de tudo isso. Seja lá o que tudo isso signifique.

Respirei fundo para aplacar a tontura que os inúmeros pensamentos e questionamentos em minha cabeça causavam. Puxei minha bolsa pesada do encosto da cadeira e a coloquei nas costas. Era a hora do intervalo e, como Lilian estava de cama por conta de uma gripe, eu iria comer alguma coisa não saudável sozinha.

Caminhei pelos corredores longos do Lemoine, com a cabeça baixa e os fones de ouvido no volume mais alto. Se eu fechasse os olhos agora, até poderia fingir que nada havia mudado. Que os ponteiros do relógio giraram inesperadamente para trás. Um momento no passado em minha solidão. Senti-me estranhamente vazia; um gosto amargo em minha língua que se tornara salgado e então ácido. Vampire Weekend cantava seu Ottoman embalando meus passos. Eu fiquei me perguntando o que eles queriam dizer quando cantavam em destaque seus terríveis pés onde eles nunca estiveram antes. Essa frase para mim pareceu um prenúncio de algo grande pela frente. Eu não poderia dizer se era bom ou ruim.

Talvez ele já soubesse que me encontraria ali afinal de contas. Talvez eu não tivesse que ficar tão surpresa assim. Mas lá estava Kaio. O badboy que conheci há praticamente uma batida de coração atrás, mas o qual parecia não se importar com o curto espaço de tempo que isso significava. Ele se instalou em minha vida e parecia que não queria sair.

Estava sentado escorado em uma pilastra. A mochila que aparentava ser cara estava jogada próxima a suas pernas longas, precisamente ao lado da sola de um dos seus coturnos negros pesados. Ele vestia jeans gastos e uma camisa escura com a capa do álbum Is This It dos Strokes. Eu gostava dos Strokes, por isso consegui não ficar embasbacada com a imagem muito sugestiva que a camisa dele apresentava. Seus cabelos estavam com aquele estilo revolto novamente, as pontas roçando o colarinho de sua camisa ocultavam seu rosto como uma cortina de cetim escuro. Ele parecia misterioso e sombrio.

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