I n t e r l ú d i o

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- Como isso aconteceu, Kaio? – Luis Del Monte perguntou ao seu paciente. O rapaz correu o dedo pela superfície lisa do abajur a frente dele e prosseguiu até que estivesse ancorado na lâmpada. Estava quente, mas ele não retirou o dedo. Olhou para a luz que vinha dali e ficou encarando-a como se estivesse hipnotizado. Luis se perguntou se a dor que seu paciente possivelmente sentia nas retinas não o incomodava. Luis se perguntou se alguma coisa realmente o faria a ponto de tirá-lo daquele velho e conhecido lugar de onde ele nunca saia.

- Eu não sei. – ele disse soando tão confuso quanto seu rosto demonstrava. – Na verdade... Acho que subestimei tudo: a ela, a situação, a mim mesmo. Acho que não é justo culpá-la por  nada. – Houve uma pausa. – Embora eu não posso deixar de fazê-lo. – Kaio deixou o abajur de lado e cruzou os braços sobre o peito. Seus lábios estavam comprimidos em uma linha dura, os olhos se cerraram para acompanhar sua expressão raivosa. – Ela disse coisas... – Riu amargamente. – eu pensei que a essa altura não houvesse tantas coisas para me machucar. Deus, ela foi cruel. Ela tinha a intenção de fazer isso, eu consegui ver em seus olhos. Desde que me conheceu, - ele balançou a cabeça. – ela já sabia de tudo sobre mim. Eu fui o único leigo nessa historia. Ela tinha a intenção de me ferir desde o inicio.  

 - Agora você já está dando muito valor a si mesmo. – Luis comentou sem olhar para seu paciente. Analisando os pontos principais da consulta de hoje. – Talvez isso seja apenas um método que ela encontrou para se proteger. – Dessa vez, Luis levantou seus olhos para encarar a Kaio. – Algumas pessoas precisam estar sempre por trás desse tipo de proteção. Armam-se de tudo que possam encontrar pela frente, até mesmo as coisas que machucam.

Kaio sacudiu a cabeça em negação, os cabelos castanhos escuros balançaram facilmente com a força do movimento. – O que eu fiz de tão ruim para que ela tivesse essa necessidade de me machucar para se proteger? A única coisa que tenho feito desde que a conheci foi tentar fazê-la gostar de mim. Fazer parte da vida dela.

- Esse é o ponto.

- Que ponto? Eu não estou vendo nenhum.

Luis esperou pacientemente que o garoto notasse o motivo implícito na situação, mas ele não o fez. Permaneceu confuso e irritado. Del Monte suspirou. A parte difícil da vida sempre era aquela que mais te fazia feliz, mesmo que você não notasse. A facilidade não custava lágrimas, suor ou sangue. As coisas que vinham fáceis, iam fáceis. As pessoas mesmo tendiam a perdê-las, esquecê-las, enjoar delas. A felicidade era difícil, por isso ninguém queria abrir mão.

- Você é perigoso para ela, Kaio. – ele disse finalmente. – Você é uma ameaça.

- Mas eu nunca fiz nada para machucá-la! – O paciente exasperou-se.

Luis disse calmamente: – Você não vê? As coisas te fazem bem são as que mais se sente falta quando se perde. – Ele viu enfim a compreensão preencher os olhos de Kaio. – Você é tenaz, Kaio. Eu percebo a intensidade quando você se refere ela. Sabe como isso deve parecer para essa garota? Você é para ela seu pior pesadelo. Aquilo que ela mais teme. É claro que ela vai te afastar como se você fosse o próprio diabo. Agora você consegue ver?    

Houve um pequeno sinal de sorriso no rosto do paciente. – Sim.

- E o que você vai fazer? – Luis perguntou com curiosidade.

 - Vou dar a ela motivos reais para me temer.


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