V - E se ele me abraçasse... Eu me perderia

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"Beije-me / sob a Via Láctea / leve-me / para fora, no solo enluarado / levante sua mão aberta / e chame a banda e faça / os vagalumes dançarem / a lua prateada está cintilante / então, beije-me."

Kiss Me, Sixpence None The Richer.

- Não seja tão tímida. – Kaio sussurrou na altura do meu pescoço enquanto eu esperava minha vez de comprar lanche na cantina. Lancei meu cotovelo nele e o ouvi reclamar de dor pelo golpe, mas não se afastou. Deus, ele nunca o fazia. Acompanhava-me onde quer que eu estivesse. Vigiava meu silêncio e se alimentava da minha irritação. Eu sentia vontade de matá-lo por isso com a mesma frequência com que ele me fazia rir. E, pelo visto, não tinha esse efeito só sob mim. Porque ouvi quando a risadinha de Lilian escapou de seu controle apenas criado para me satisfazer. Ela me lançou um olhar de desculpas quando notei seu riso. A mão de Kaio disparou para virar meu corpo em direção a fila a qual eu estava abandonando por me sentir sufocada.

Acontecia com frequência agora.

Eu encarei Kaio pairando alguns ameaçadores centímetros acima de mim. – Eu não precisaria ser se você não estivesse me jogando para cima dos seus amigos descolados. Quantas vezes eu vou ter de repetir, Kaio? Eu não quero fazer parte do seu mundinho de glória.

Ele franziu as sobrancelhas castanhas e uma covinha se formou no canto esquerdo de sua boca quando ele prendeu o riso. – Isso é uma coisa absolutamente normal, sabe? Amigos que te apresentam amigos. Não é verdade, Lilian? – ele desviou seus olhos de mel em direção a ela.

Não demorou nem dois segundos para que a traíra concordasse com ele. – Absolutamente normal como beber água.

- Vê? – voltou a me encarar, comecei a sentir as paredes invisíveis se moverem para mais perto de mim. Mais perto. Mais perto. Sempre mais perto de me sufocar. – Junior quer conhecer você e Jack quer rir de você.

- Me deixe em paz, Kaio. – Disse virando-me para fazer meu pedido para a moça da cantina; um misto e um refrigerante guaraná. Ela sorriu para Kaio, como era de costume. Olhou para mim como se dissesse seja razoável, menina. Queria mandá-la ir à merda. Queria mandar todo mundo ir à merda. Porque é que estavam me empurrando para ele? Será que não conseguiam ver meu desconforto? Desarmada dentro da minha própria pele, eu acho que nunca me senti tão perdida. Queria tirá-lo de mim, coçar seu perfume para fora da minha pele. Arrancar tudo para longe com minhas unhas escuras. Escuras como os sentimentos que eu estava criando dentro de mim. Aquilo que ditava o que eu sentia não queria que ele fosse para longe. É contraditório, acha que eu não sei? Essa bagunça que vinha junto com a droga de uma disfunção emocional, mental, pessoal ou qualquer uma dessas coisas que fazia a gente funcionar. Eu estava mudando e o tempo estava passando. Tinha medo de terminar do modo que eu nunca planejei.

Paguei por meu pedido, ignorando a atmosfera pesada e paciente que vinha da forma parada as minhas costas, e abri caminho pelo lado de Lilian. Eu percebi bem quando apenas um par de passos me seguiu, contorci-me por curiosidade de saber quem era o dono deles. Só que apenas continuei a caminhar, a presença silenciosa me acompanhando. Segundos depois eu senti a pele suave e morna tocar a minha mão, ela enrolou os dedos nos meus e segurou-me com um aperto forte. Soltei o ar que estava prendendo e não precisei olhar para ela para saber que estava ao meu lado.

E isto estava certo.

Isto estava bom.

...

No fim das contas acabei ficando com a minha mãe.

Eu não acho que tenha sido minha primeira opção. Também não acho que tenha sido minha última. Era como se eu estivesse dando de ombros para vida. Desde que minha mãe era quem iria ficar no país, ela foi a escolha mais plausível. Eu tinha uma melhor amiga, uma escola, uma vida aqui e não tinha nenhum desejo de mudança iminente.

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