Capítulo 5

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quando pensamos que o amor nunca vai achar você

Você foge, mas ainda está bem atrás de você

Ready To Love Again - Lady Antebellum



Eu me sentia estranha, não angustiada, era diferente. O diálogo com Álvaro fez com que eu buscasse compreender a minha tentativa de encontrar a felicidade em outra pessoa sem realmente me amar. Talvez uma consequência da minha iniciativa de aceitar qualquer demonstração de carinho.

De modo inexplicável, na roda de viola senti-me acolhida. Bianca sentara ao meu lado e sua voz delicada entoava cada frase da canção com emoção. Naquele momento fiquei nostálgica, eu sabia o que era ser órfã. A saudade ameaçadora na porta do coração, sempre esperando o momento de fraqueza.

Era monstruoso tirar a oportunidade de um filho crescer com os pais, aceitar os abraços, as broncas ou os olhares da pessoa que te ama incondicionalmente. Imaginar os momentos que Bianca não teve com a mãe, seus primeiros passos, sua fala errada, sua corrida no meio da noite em busca de sua proteção.

Abracei o travesseiro no sofá da sala. Eu sofria diariamente pela ausência de meu bebê, sonhando com seu rostinho, suas mãozinhas que se segurariam em mim com medo de cair, sua tranquilidade ao meu lado. Pisquei incontáveis vezes afastando as lágrimas.

Faltavam minutos para o alvorecer, eu estava insone, por completo. Também estava ansiosa com o roteiro combinado. Iriamos aproveitar cada momento de nossa última semana de férias.

Uma ligação na noite anterior havia cancelado nossa estadia de um mês. Tínhamos que organizar a próxima edição, e eu já estava com uma nova viagem marcada para o exterior sem um destino propriamente escolhido. Pela primeira vez em minha vida não estava tão animada para voltar a  rotina.

Um barulho na cozinha despertou-me para a realidade, levantei sem pressa, caminhando até o cômodo, dona Margarida estava distraída ao arrumar o coador. Sentei na cadeira, fazendo o mínimo de barulho para não a assustar.

— Não conseguiu dormir?

Levantei o olhar, surpresa de ela ter me notado. Geralmente meu irmão dizia que eu tinha passos de gatos, já que raramente descobria quando eu voltava de uma festa. A única vez que ele me flagrou chegando ao outro dia eu havia completado vinte e um anos, estava furiosa com um antigo namorado que esbarrei no sofá.

— Minha cabeça está tumultuada — respondi com um pequeno sorriso.

— Minha mãe costumava dizer que o melhor jeito de curar os problemas são abandoná-los com os responsáveis — disse, olhando de relance.

— Eu adoraria ter essa capacidade, mas no meu caso é impossível — murmurei.

— Essa palavra não existe, Maraísa — comentou, virando-se para mim — Vi milagres acontecerem e sei que nossos impedimentos são invenção da nossa falha fé — sorriu — Você ainda é nova, tem uma vida inteira pela frente e pode usar seus erros como aprendizado.

Meus olhos marejaram diante de suas palavras. Ela estava sendo sincera,  ao contrário de fé eu diria que a invenção era da minha covardia.

— Obrigada.

— Agora, já que está disposta — sorriu — Pode ir chamar Álvaro para buscar o leite.

— Claro — levantei sem muito entusiasmo — Só me explicar onde ele mora.

— É muito simples.

Depois das recomendações de Margarida, sai da casa. O ar estava agradável e o sol já surgia com exuberância. Sem barulhos de carros, aviões, telefones, trens, nada atrapalhava a tranquilidade do dia. Abracei-me sem ter que apressar os passos como seria se estivesse em São Paulo.

A casa de Álvaro era verde e tinha uma linda horta. Pela janela aberta viam-se vultos e o cheiro de café evidenciava que estava acordado. Bati na porta que logo foi aberta por uma Bianca sonolenta. Ela sorriu, puxando-me para dentro.

— Papai, temos visita — gritou, ainda segurando minha mão.

Pensei em dar apenas o recado e sair rapidamente, mas quando ele surgiu e seus olhos refletiram seu sorriso, desisti de fugir.

— Desculpe por aparecer de supetão, é que Margarida está precisando do leite — disse.

— Já estávamos indo para o curral — Álvaro disse, aproximando da filha — Quer nos acompanhar?

Franzi o cenho, não havia sido legal vê-los ordenhando as vacas e eu não tinha qualquer desejo de apertar as tetas para conseguir leite. Meu pavor por qualquer animal era maior que qualquer necessidade, no entanto Bianca me fitava com expectativa e seu pedido era irrecusável.

— Acho que posso vencer esse medo.

— Isso — ela disse empolgada — Vou calçar minhas botas.

Observei-a se afastar, quase implorando para não me deixar sozinha com Álvaro, eu sentia uma tensão no ar. Minha mente repetia sua súplica por confiança. Confiança? Quantas vezes me pediram e simplesmente me esfaquearam sem remorso. Como acreditar em um desconhecido?

— É difícil aceitar um amigo? — Ele perguntou, cruzando os braços.

Engoli em seco, tentada a responder.

— Você é uma mulher esperta, Maraísa — ri, meneando a cabeça em negativa — Se não fosse astuta teria aceitado o sofrimento, sem lutar.

— Mas eu não lutei, nem estou fazendo qualquer esforço para não sofrer — respirei fundo.

— Então é uma ótima atriz — argumentou, enquanto Bianca voltava com a mesma empolgação.

— Já vamos? — Ela perguntou, olhando para o pai.

— Sim, essa será sua primeira lição, Maraísa, vamos lutar contra seu medo por animais inofensivos.

— Um desafio? — Questionei.

— Você é a única que costuma etiquetar tudo — retrucou, estendendo a mão em direção à porta. Bianca ultrapassou a porta primeiro, deixando-nos a sós — Combinamos o seguinte; você esquece sua vida paulista e tenta aproveitar os dias nesse lugar que você considera o fim do mundo. Esqueça seus brinquedinhos tecnológicos e tente aprender alguma coisa que os dias tumultuados na grande cidade são incapazes de ensinar.

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