Prólogo

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Quando aqueles pequenos olhinhos me encontraram pela primeira vez, eu percebi que jamais haveria amor maior. Naquele ser histérico e minúsculo em meus braços eu encontrei minha razão para olhar para frente, sempre para frente. Minha maior alegria era derramada em lágrimas e nada no mundo me chamava mais atenção que aquele par de íris claras, de cor ainda indefinida. O mundo lá fora borbulhava, gritava, corria, e eu, com calma, dei iniciei uma jornada nova.

-Senhor – me chamou a enfermeira tomando a pequena Lily dos meus braços e me trazendo de volta a realidade – a assistente social gostaria de receber a família em uma sala para uma conversa privada.

Assistente social. Eu não era especialista em rotina hospitalar, mas também não era leigo a ponto de não saber a finalidade daquilo tudo. Meus braços e pernas desfaleceram e meu corpo, que poucos momentos atrás foram invadidos com tanta felicidade e plenitude, pareceu congelar em apenas um mísero segundo. Ela não havia resistido, eu sentia em meu coração como se fosse uma verdade absoluta, eu sabia desde o início. Na minha vida, nada era completo, e isso era algo que o destino insistia em reafirmar a cada pequeno acontecimento. Foi por isso e por motivos também de afeto que eu disse por todos os dias que estivemos envolvidos nessa verdadeira luta o quanto a amava e o quanto brigaria diariamente pela vida da nossa filha, principalmente depois de tudo que nos fizeram passar.

Eu tentei recusar a oferta cortante à reunião, mas me arrastaram até a sala para uma formalidade mórbida. Todos se acolheram perto da atendente, e eu me esquivei próximo à porta, alheio, querendo estar o quão distante possível.

-A jovem não resistiu – e a sala toda congelou, como eu fiz previamente. As pessoas vivem de esperança para receber o pior – Foram muitas paradas, e os médicos tentaram até o final, mas o corpo dela ainda era muito frágil para questão. Sinto muito. Infelizmente preciso de alguém para fazer a identificação do corp...

E então eu vivi um apagão. Os sons ficaram em segundo plano e a visão, em câmera lenta. Lembro de sair da sala, sair do setor e do prédio procurando algum lugar para largar minha cabeça e os pensamentos agressivos, e então olhei para o céu. Enxerguei sua imensidão e me fiz parte dela. Não chorei, não gritei e tampouco ouvi algo da manada que veio atrás de mim apontar dedos. Eu me fiz infinito e certo, como o céu. Tinha um propósito, algo para cuidar e muitas línguas para queimar. Eu iria seria o próximo da minha família, teria um nome, um lugar no estrelato, um sucesso e exibiria meu maior troféu, minha filha, pro mundo inteiro. Obrigada, Jamia. Eu vou mandar todos eles se foderem, e essa é por você.

[Frerard] Picture Me Onde histórias criam vida. Descubra agora