AUTOAJUDA

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Estava lendo o divertido e charmoso É tudo tão simples, de Danuza Leão, quando uma senhora chegou perto, com ar de desprezo, e disse: "Não te imaginava lendo autoajuda". Pensei em responder que Kafka e Tchekhov também são autoajuda: dos eruditos aos passatempos, todo livro escrito com honestidade ajuda. Se bobear, até mesmo embustes tipo "Como arranjar marido" ou "como juntar o primeiro milhão antes dos 30 anos" ajudam quer ilusão, toma ilusão.

O psicanalista Contardo Calligaris certa vez afirmou, numa entrevista, que escreve para estimular o leitor a melhorar a quantidade de sua experiência de vida, intesificando-a. E Calligaris realmente consegue esse feito, por isso o leio. Assim como leio e sublinho inúmeras citações do filósofo Romeno Cioran, que me ajuda a identificar a miséria humana sob uma ótica extremamente lúcida.

Muito antes de descobrir Calligaris e Cioran, tive que descobrir a mim mesma, e Mariana Colasanti foi, nesse sentido, minha guia espiritual. Com suas crônicas, abriu minha cabeça para a sociedade que estava se firmando no inicio dos anos 80, quando as mulheres assumiram um novo papel. Eu não seria a mesma se não tivesse lido seus livros.

Ainda adolescente, Fausto Wolff me deu consciência política, Millôr Fernandes me ensinou a enxergar o reverso do espelho, Veríssimo me incentivou a rir de mim mesma, Paulo Leminski me fez ver que poesia não precisava ser um troço chato e Caio Fernando Abreu me apresentou um mundo sem preconceitos. Seria uma ingrata se dissesse que eles não fizeram nada além de me entreter.

Além desses autores genias, passei também por livros maçantes que me serviram como ansiolíticosme ajudariam a pegar no sono. Hermetismo nem sempre é sinônimo de inteligência, profundidade não é privilégio dos deprimidos e mesmo histórias bem-escritas podem naufragar se forem pretensiosas.

Michael Cunningham ajuda a manter minha humildade (nem que eu vivesse 200 anos conseguiria escrever algo minimamente parecido com Ao anoitecer), Cristovão Tezza ajuda a controlar minha inveja (que autor, que técnica!) e Dostoiévski me ensina que a fúria é mais produtiva quando transformada em arte. Qualquer tipo de arte, aliás. Música de autoajuda? Existe. Cazuza, por exemplo, já estimulou minha indignação com o país, Ney Matogrosso me fez sentir sensual, Jorge Ben sempre me alegra e Chico Buarque diversas vezes me comoveu, e ficar comovido é de primeira necessidade.

Existe autoajuda para todos os gostos. Tendo ou não esse propósito, nenhum livro merece ser diminuído por ter sido útil.


 

30 de novembro de 2011

A Graça Da CoisaOnde histórias criam vida. Descubra agora