15- Caonabo, o guerreiro do tacape

541 42 28
                                    


Território de Maguana, 1942, ano do Ungido

A posição do sol no céu indicava que teriam somente mais umas três horas de claridade antes que a noite se instaurasse, e com ela os perigos noturnos. No entanto, dentro da mata fechada por onde prosseguiam sob as árvores da floresta densa, eles não tinham visão do sol. A planície ainda se estenderia por léguas e léguas à frente e eles sabiam disso. E o local onde almejavam estar, ainda nas primeiras horas da noite, estava aquém, bem antes do término da planície e início da outra cadeia montanhosa.

As dezenas de rios, córregos, igarapés e a mata fechada só lhes permitiam continuar em caminhos já demarcados nas tantas vezes que passaram por ali, fosse em caçadas, em busca por novos lugares para morarem, ou mesmo como acontecia agora, para irem e virem de confrontos e festas com povos vizinhos e inimigos.

Eles iam à passos lentos, visivelmente cansados, alguns claramente exaustos, mas não psicologicamente abatidos. Estavam a caminho de casa após as batalhas enfrentadas nos dias anteriores e as vitórias obtidas. Eram dezenas de guerreiros, dentre eles os príncipes de Maguana: Caonanabo e Manicatex.

Guacanagarix está mesmo procurando guerra — comentou Caonabo. — E se é guerra que ele quer, é guerra o que ele vai ter.

— Ele nunca te perdoou e nem e nem a Bohechío por você ter se casado com Anacaona.

Caonabo apertou com mais força o tacape que tinha não, ainda manchado de sangue, sinal de intenso uso nas batalhas recém travadas. Ele perdeu a conta dos homens que abatera com sua arma. Seu rosto se turvou:

— Mais cedo ou mais tarde ele vai ter que se acostumar com isso, senão acabo com os seus guerreiros e com o seu cacicado. Já se foram dois anos, ele tem de entender que Anacaona é minha mulher. E que nada vai mudar isso mais.

Manicatex viu os lábios de seu irmão apertarem-se em um visível sinal de desgosto e raiva. Ele sabia que Caonabo, quando dominado pela ira da forma como estava nos últimos meses, se tornava uma máquina de matar.

Extremamente habilidoso com arco e flecha, ele era capaz de matar um inimigo ainda que estivesse muito distante, acertando seus pontos fatais. O jovem príncipe de Maguana também era muito bom com a lança. No entanto, todos sabiam que o seu ponto mais forte como guerreiro era o tacape. Com essa arma na mão, o rapaz estraçalhava a cabeça de quem quer que se colocasse contra ele. E a fama de Caonabo corria de aldeia em aldeia e já ultrapassara, há muito, os limites dos cacicados. Onde quer que houvesse guerreiros reunidos em conversas sobre as batalhas ocorridas, surgiriam histórias sobre o herdeiro do cacicado de Maguana com ascendência Taíno e Caribe.

O cacique Guacanagarix de Marién, no entanto, não o temia. E quanto mais a fama do jovem guerreiro crescia, mais ele o odiava e se opunha a ele.

O reino de Marién era formado por quatorze territórios menores governados por outros subchefes, que se organizavam em torno de Guacanagarix, seu chefe supremo, a quem pagavam impostos, tributos, e forneciam guerreiros para o seu exército. As terras que formavam o território do grande e poderoso cacicado de Marién espalhavam-se por todo o noroeste da ilha de Quisqueya. Era recortado, na sua parte central, por uma grande cadeia montanhosa, de onde procedia uma inumerável quantidade de rios e córregos, em cujas margens e leitos eram encontradas as pedras douradas das quais os reis e príncipes faziam seus adornos.  

Na verdade, a inimizade e conflitos entre Maguana e Marién não era tão recente, surgira em décadas anteriores, quando o cacicado de Maguana fora invadido por Guacanagarix e seus homens

Ops! Esta imagem não segue nossas diretrizes de conteúdo. Para continuar a publicação, tente removê-la ou carregar outra.

Na verdade, a inimizade e conflitos entre Maguana e Marién não era tão recente, surgira em décadas anteriores, quando o cacicado de Maguana fora invadido por Guacanagarix e seus homens. Guacanagarix sempre impôs uma forte oposição a Mairení, o cacique de Maguana. A disputa era pela posse de uma parte do território de Maguana, Chacuey, o espaço mítico, político e social da Deusa Mãe Iermao, Senhora do cacicado de Marién, deusa suprema daquela terra.

O tênue acordo de paz estabelecido anos antes, após décadas de confrontos e guerras entre os dois cacicados, caiu por terra após o momento em que Caonabo, agora com vinte anos, se tornara o novo cacique de um dos territórios menores de Maguana e se aliara a Mairení, logo após seu casamento com Anacaona. Talvez a rivalidade não fosse pelo casamento e sim pelo fato de que o rapaz, que conseguira a mão da moça que ele cobiçara, ter se tornado chefe de uma região tão importante.

Nos últimos meses, as batalhas se intensificaram e os dois jovens irmãos se empenharam em participar delas de forma direta. Partiram para o campo onde os dois exércitos se enfrentavam e a presença deles fora decisiva paras as vitórias obtidas.

Agora, depois de meses ausentes pelas batalhas, enfim voltavam para casa. Retornavam felizes, com a sensação de dever cumprido. O exército inimigo fora derrotado, os guerreiros remanescentes recuaram e voltaram para o seu território. Caonabo só sentia o fato do próprio Guacanagarix não ter participado dos combates. Ele teria muita satisfação de matá-lo com as próprias mãos.

O sol já se punha no horizonte e o tom alaranjado se apagava em tons escuros quando um som conhecido da trombeta da sua aldeia colocou Caonabo em alerta. Guerreiros sentinelas se aproximavam. E este era um sinal de que traziam notícias importantes, geralmente ruins, para o grupo.

Então, na mesma trilha por onde seguiam, dois fortes rapazes surgiram. O aspecto cansado dos dois demonstrava que correram a maior parte do tempo. Ao se aproximarem, fizeram uma reverência diante dos dois jovens irmãos antes de um deles dizer:

— Que bom que já estão tão próximos. Fomos enviados para trazer notícias a Caonabo.

— Pode falar — a voz do rapaz demonstrava a sua agitação e ansiedade.

— Sinto muito ter que lhe informar isso, grande chefe, mas a jovem senhora sua esposa, Anacaona, entrou em trabalho de parto hoje de madrugada. As parteiras estão com ela desde então. No entanto, quando o sol começava a declinar no horizonte, mandaram que viéssemos ao encontro do senhor pra lhe comunicar que ela não está conseguindo dar à luz. As parteiras disseram que estado é grave e esperam que você chegue a tempo de ainda vê-la com vida.  


Antes de passar para o outro capítulo deixe o seu comentário, 

e não se esqueça de clicar na estrelinha*  



Taínos: os herdeiros da invasão - WATTS2019Onde histórias criam vida. Descubra agora