17. Magiocatex: amores (Parte 1)

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O sol estava para se pôr e a claridade diminuía sobre o céu de Jaraguá. Os sons de passos ritmados em harmonia com a música e instrumentos diversos invadiam o ambiente. Vinham do pátio exterior que era ocupado por uma grande multidão que se divertia e festejava, tudo acompanhado de muita comida e bebida, como acontecia em todas as grandes comemorações na aldeia.

O ar no cômodo principal da casa do cacique era invadido de leve pelo cheiro de fumaça, carne assada e bebida fermentada. Os corpos morenos dos ocupantes do local estavam enfeitados com pinturas, vários colares e pulseiras. Nos narizes e orelhas da maioria deles pendiam adornos de pedra dourada. Alguns exibiam sobre os ombros um manto cuidadosamente bordado e no peito um grande enfeite dourado, o que indicava a posição de liderança de cacicado.

Os vários bancos na frente do cômodo, organizados em uma meia lua e posicionados de frente para a única porta do local, estavam extremamente enfeitados. O cacique Bohechío apoiava-se imponente no banco central. Seus enfeites, produzidos a partir das pedras douradas, eram os maiores, os mais trabalhados e mais polidos, ainda que no território do seu cacicado essas pedras fossem mais raras. Ao seu lado estavam algumas de suas esposas e filhos.

Em outro banco encontrava-se Yahima, mãe do cacique Bohechío, de Magiocatex e de Anacaona. Somente Anacaona não estava presente. A cerimônia poderia ser um momento propício para que a moça se fizesse presente na casa dos pais pela primeira vez após o casamento, entretanto o fato de ter acabado de ganhar um bebê em um parto com grandes complicações e estar extremamente enfraquecida não possibilitou o reencontro.

Algumas das pessoas que ali estavam eram as mesmas que ocuparam o local há mais de dois anos, no momento do casamento de Anacaona e Caonabo. Era a mesma casa e salão, e talvez fosse possível afirmar que eram os mesmos bancos que foram usados anos antes. Somente o rapaz que ali estava para o seu casamento era outro, pois ao lado do grande cacique, quase tão majestoso quanto o irmão, encontrava-se Magiocatex.

— Você vai acabar gostando dela — o irmão mais velho cochichou no ouvido do noivo. — É sempre assim, você casa sem conhecer a moça, mas o convívio desenvolve uma relação de casal. No início pode ser só um respeito mútuo, mas depois o sentimento cresce para uma cumplicidade e pode virar amor.

— Meu coração não tem lugar para outro amor, senhor cacique meu irmão — a voz de Magiocatex emanava amargura e tristeza. Ainda que respeitasse a palavra do irmão e estivesse disposto a um casamento arranjado, amava outra.

— Bobagem! Você vai ver que não será assim. Espera o tempo passar que tudo se ajeita. E garanto que em alguns anos você amará mais essa sua esposa do que a jovem que hoje você diz amar tanto — o irmão falava com a convicção adquirida em vários casamentos arranjados.

— Isso não vai acontecer, meu irmão. O tempo mostrará que comigo não vai ser assim. Só espero que o senhor não volte atrás com suas palavras.

— Eu não voltarei atrás com minhas palavras — Bohechío falou em um tom seco e duro. — Depois desse seu casamento, você poderá ter a outra e até lhe dar uma casa aqui na aldeia. Poderá colocá-la na mesma casa se assim quiser e se sua esposa não se sentir ultrajada. Lembre-se somente que seus filhos com ela não serão nobres. Serão bastados e nunca se tornarão herdeiros de cacicados.

— Isso não vem ao caso agora. Mesmo porque, serão os filhos de Anacaona que herdarão o trono se um dia eu vier a faltar depois do senhor. — E ao dizer isso, o jovem sentiu um aperto de saudade da irmã. Ainda não conhecia a sobrinha Higuenota, que nascera havia pouco tempo, e de quem só recebera notificações trazidas pelos mensageiros de Anacaona. Pensou que se a irmã vivesse ali, a menina cresceria junto aos seus filhos, que imaginava ter nos próximos anos. Poderiam ser companheiros como ele e Anacaona foram durante toda a vida.

Taínos: os herdeiros da invasão - WATTS2019Onde histórias criam vida. Descubra agora