22. Caonabo: família

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Maguana, ano 1492 da era do Ungido

O sol estava quase a pino sobre o céu de Maguana, no entanto isso era pouco percebido sob o teto verde formado pelas folhas das árvores naquele ermo da floresta tropical.

Em pé, recostado ao tronco de uma árvore antiga e coberta de limo verde, de onde pendia um intrincado de cipós, Caonabo observava os homens que preparavam o almoço. O sangue dos animais mortos escorreu para as folhas verdes abaixo deles, quando um dos rapazes abriu a barriga da última iguana abatida. Outros dois jovens se juntaram a ele, e ágeis, com movimentos precisos e certos, o ajudaram no preparo dos animais, abrindo-os e cortando em partes menores. Havia iguanas, cutias e algumas aves.

A carne era colocada em pedaços de madeiras e levadas para assar sobre as brasas do fogo que ardia no centro do grupo de guerreiros. Outros animais, como grandes lagartos e peixes, preparados de antemão, e ainda frutas, complementavam a refeição.

Todas as ações e movimentos do grupo de guerreiros ali reunidos eram observados pelos vigias que se postavam em lugares escolhidos e determinados pelo líder. De onde se encontravam, os quatro vigias designados por Caonabo avistavam além e podiam detectar qualquer movimento ou som estranho que viesse perturbar o rápido instante em que se detiveram para se alimentar, descansar e renovar as forças.

Nas vigílias da noite todos se intercalavam. Mas jamais se descuidavam. Mesmo quando estavam dormindo, o tacape e as facas de pedra de cada um sempre permaneciam ao alcance das mãos. Em tempos de confrontos e conflitos, a selva podia ocultar muitos perigos. Guerreiros Taíno sabiam como fazer uso das características do território de Quisqueya a seu favor, mas eram conscientes de que outros também podiam utilizá-las contra eles, se caso se descuidassem ou abaixassem a guarda.

— Que bom que esses animais cruzaram o nosso caminho bem na hora do almoço — disse o rapaz que tentava colocar uma das iguanas em um grande espeto de madeira que ele mesmo havia confeccionado.

— A grande Deusa Apito coopera conosco — disse Caonabo acompanhando com os olhos o esforço do rapaz. — Estamos em uma jornada pela sua causa. Temos a bênção dela.

Manicatex, sentado sobre a raiz da mesma árvore em que Caonabo se recostara, tomou mais um gole da água que trazia em uma vasilha feita a partir de uma cabaça. Ao seu lado estavam os dois irmãos mais novos. Era a primeira vez que os adolescentes, respectivamente com doze e quatorze anos, estavam com eles para participar de uma batalha.

Cicatrizes recentes indicavam que os adolescentes passaram há pouco tempo pelos ritos de iniciação. Uma marca específica no rosto de cada um deles definia que pelo menos parte de seu treinamento e formação para introdução à vida adulta se dera em território e aldeia Caribe, ascendência da família do novo cacique de Maguana. Os jovens guerreiros agora estavam marcados como Caribe e como Taíno. Receberam a iniciação de dupla etnia como os irmãos mais velhos.

Caonabo observava seus três irmãos. Amava-os intensamente. Cada um era uma parte de seu próprio ser e daria a vida por eles se necessário.

— Guatiao, o que é mais importante em uma batalha? — Caonabo perguntou ao irmão de quatorze anos que tomava da água que Manicatex lhe oferecera.

— Estar preparado para ela — respondeu o adolescente.

— E quando se está preparado? — insistiu o irmão. — Você está preparado se existir uma batalha hoje?

O rapaz olhou para o irmão mais velho. Para ele, estar preparado era ser como o irmão mais velho. Ele admirava sua força, seus músculos e seu espírito de liderança. Ouvia maravilhado as histórias sobre Caonabo e de seu desempenho nos constantes conflitos. Desejava, um dia, ser como o irmão no uso das armas e táticas de guerra. Por um ínfimo momento, o invejou. Queria chegar, um dia, na posição do irmão mais velho.

Taínos: os herdeiros da invasão - WATTS2019Onde histórias criam vida. Descubra agora