16 - Anacaona: um parto difícil

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Os primeiros sinais da lua eram visíveis no céu noturno de Maguana. Uma melodia melancólica, como um lamento humano, ecoou na mata próxima. Sobre uma das árvores nas margens da mata, semelhante a um galho seco, o urutáu piava. Se fosse ouvido pelas pessoas que ocupavam a casa retangular da aldeia, o sentimento de mau agouro seria completo. Mas ninguém na casa tinha ouvia o canto.

Provavelmente já tinham se passado umas duas horas desde que Anacaona se prostrara. Ela sequer tinha forças para gritar, mesmo com a dor excruciante, indo e voltando com as contrações. O fato era que ela não tinha dilatação suficiente para que o bebê pudesse sair. As contrações não eram suficientes para expulsar a criança de seu útero.

Seu corpo nu, sem enfeites, pinturas ou ornamentos, jazia inerte entre os tecidos de algodão na esteira usados para ampará-la. Estava molhada pelo suor. Seu grande ventre subia e descia levemente, vermelho e com manchas roxas, resultado do esforço das mulheres que a cercavam tentando expulsar a criança para fora. Somente sua fraca respiração e os gemidos quase inaudíveis denunciavam que ela ainda estava viva. Sua força acabara e as parteiras, exaustas pelo insistente trabalho efetuado durante todo o dia, ainda perseveravam, se revezando nas ações empreendidas sobre a jovem, na esperança daquela criança nascer com vida.

Em um outro cômodo da casa, diante do cemi que representava a Deusa Apito, o bohique rogava pela vida de Anacaona e o filho. Através do ritual da Cohoba, em que se inalava um pó alucinógeno à base de cogumelos, insistia para que a deusa intervisse, salvando e preservando as duas vidas, afinal, ela era a Deusa Mãe daquela região, aquela que era conhecida como sendo a Mais Antiga, a Mais Duradoura, a mãe de A Pedra. Era ela a origem de tudo e a mãe de Yocahu Bagua Maorocoti, o Senhor do céu e criador de tudo.

Não alheia ao transe do xamã, mas sem se deter diante do ritual, uma senhora idosa entrou e passou apressadamente pelo bohique. Nas mãos trazia uma vasilha com um líquido ainda quente, de onde subia um vapor com um aroma de ervas de infusão. Determinada, a mulher entrou no quarto onde a jovem esposa de Caonabo se encontrava quase inconsciente.

A moça, que considerava aqueles momentos como sendo os seus momentos finais, já esperava por sua morte. Ainda que os Taíno concebessem a morte como uma passagem, em seus pensamentos já falhos e confusos, a jovem queria e pedia à Deusa Mãe um prolongamento de sua vida. Implorava, em devaneios, que o filho nascesse com vida, desejava ouvir seu choro antes de partir. Queria muito que o marido estivesse ali e ansiava que o filho já tivesse nascido e que o pai pudesse estar com eles nos braços antes que ela partisse para as terras onde habitavam os espíritos que já haviam abandonado os seus corpos.

***

Os pés do jovem guerreiro continuavam rápidos dentro da mata, sua respiração ofegante. Seu corpo tremia de dor e a exaustão cobrava seu preço, mas ele não se permitia parar. Com exceção de seu irmão Manicatex e do jovem mensageiro, não havia outros com eles. Todos tinham ficado para trás. Somente os três insistiam. Sabiam que todo o esforço valeria a pena e nenhuma dor seria lembrada se eles chegassem a tempo. Por isso insistiam, correndo com o que lhes restava de força.

O jovem príncipe precisava encontrá-la com vida. Aliás, ele não se permitia nem mesmo pensar em Anacaona morta. Não! Ela não iria morrer. Ele não permitiria isso, ainda que tivesse que oferecer-se a si mesmo à Deusa Mãe e ao Deus Criador no lugar da esposa e filho. Caso Anacaona morresse, não conseguiria mais viver. Se apaixonara completamente pela jovem Taíno. Tudo nela o enfeitiçava: a beleza do corpo, o porte, o rosto e principalmente sua determinação, garra, e valentia que só uma mulher Taíno, forjada para ser uma guerreira e herdeira de liderança de cacicado, podia demonstrar.

Taínos: os herdeiros da invasão - WATTS2019Onde histórias criam vida. Descubra agora