Taínos: os herdeiros da invasão - WATTS2019

24. Caonabo: noite sangrenta

Maguana, 1492, ano do Ungido

A noite desceu sobre eles muito mais rápida do que puderam dar conta dos acordos e estratégias a serem usados na investida que pretendiam realizar sobre os homens de Guacanagarix. Mesmo que já tivessem lhes infringido uma primeira derrota eles ainda eram uma grande ameaça.

As horas haviam passado e agora precisavam aproveitar que o Sol morrera e a escuridão se instalava para agirem. Haviam contado os mortos e tratado os feridos com ervas e unguentos. Separaram os que não poderiam mais lutar e que, por isso, ficariam à parte, aguardando-os retornarem. Caonabo colocou três dos seus homens, alguns dos mais fortes e experientes para ficarem com eles. O príncipe de Maguana escolheu os mais experimentados e sábios, que já haviam participado com eles de outros momentos decisivos e haviam demonstrado seu valor, porque Manatih estava entre os feridos e ele não queria que nenhum outro mal acometesse o irmão mais novo.

Eram vinte e cinco guerreiros sãos e que podiam ir à batalha. Caonabo fez questão que Manicatex estivesse com ele, lutando ao seu lado. Os dois irmãos formavam uma grande dupla em combate. E eles iriam precisar dessa ferocidade para vencer aqueles que os estavam aguardando confiantes na vitória.

Caonabo dividiu os seus homens em cinco grupos e instruiu-os como agir. Às ordens dele untaram-se de lama, cobrindo o corpo todo, dos pés à cabeça, tornando-se unos com o ambiente. Dessa forma seria fácil se camuflarem na terra e na vegetação.

Antes, enquanto os raios do sol ainda penetravam o emaranhado da mata e iluminava o espaço onde se encontravam, Caonabo, usando um pedaço de pau, os instruíra cuidadosamente e com detalhes. Desenhara e assinalara como atacariam o inimigo, encurralando-os no negrume da noite, fazendo-os perderem a noção de onde partia o ataque.

Depois de estabelecer quem iria com quem e que direção tomar, elevaram seus pensamentos à Deusa do local e partiram, cada grupo tomando seu rumo.

Coanabo e seus homens arrastaram-se devagar por entre a vegetação densa, cobertos pela escuridão. Moviam-se silenciosamente e quase imperceptíveis, como uma brisa leve na noite. Em instantes se colocaram em frente a um dos fossos. O buraco tinha a profundidade dos homens e estava quase sem visibilidade. Mas o líder de Maguana e seus homens sabiam o que tinha neles. Eles conheciam essas armadilhas e estratégias.

Quando nuvens esconderam a lua e a penumbra era tamanha que tinham dificuldade de visualizar metros à frente, eles desceram pelo buraco. Suas mãos tatearam entre as estacas afidas. Estavam conscientes que deviam se movimentar emudecidos, sem nenhum barulho, para que pudessem pegar os inimigos de surpresa. Caonabo sabia que Guacanagarix estava lá, os aguardando. E eles tinham que estar preparados para isso.

Foram momentos tensos enquanto deslizavam e seguiam entre as estacas pontiagudas, como uma sombra furtiva. Pouco a pouco venceram os obstáculos e então começaram a sair da fenda em um espaço próximo a seus inimigos. Arrastaram-se como iguanas, mimetizados com o solo pedregoso, logo atrás como se fosse uma moldura, as grandes pedras eram desenhadas pela escuridão: o território sagrado da Grande Mãe maculado e violentado. Profanado pelos homens de Guacanagarix.

Caonabo foi invadido por um zelo que tomou conta de todo o seu ser. Foi dominado por uma ânsia de lutar, de expulsar dali o mal, de purificar e santificar o grande altar da deusa, com o derramamento do sangue dos homens de seu maior inimigo.

A um sinal sonoro de Caonabo, suave e idêntico ao som de um pássaro noturno, os homens, nas diferentes posições em que se encontravam, se prepararam. Somente o bater forte do próprio coração e a respiração acelerada era perceptível por cada um deles.