14. Ubiratã e Aimberê

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Guanahani, ano 1492 do Ungido

As águas, para onde quer que se olhasse eram totalmente límpidas e transparentes. O azul, em diferentes tonalidades, dominava todas as direções e em uma sequência quase infinita, quebrada somente pelo verde da vegetação da ilha do lado oeste, onde palmeiras e árvores altas balançavam ao vento. A leve canoa subia e descia ao sabor das águas. Seus ocupantes, satisfeitos, consideravam o dia ganho. Alguns peixes, recém pescados, pulavam dentro da embarcação, em uma agonizante luta pela vida.

Os dois remos pairavam no fundo da canoa, perto dos três pares de pés descalços. Ornamentos coloridos de algodão entrelaçados às sementes enfeitavam os tornozelos. O pai em seus trinta e poucos anos, forte, olhos negros, cabelos longos e escuros, observava orgulhoso os dois filhos. Ubiratã de quatorze anos estava de pé na canoa, com arco e flecha empunhados, ainda querendo pegar mais alguns peixes, mesmo que o pai tivesse dito que já tinham o suficiente para a família por pelo menos dois dias.

Aimberê, o jovenzinho de apenas doze anos, exibia sua última conquista: um enorme peixe maior que a metade de sua perna. Pescara com o arco e precisara da ajuda do pai para retirá-lo da água e da lança e o colocar dentro do barco. Depois, o irmão mais novo depositou a lança junto aos remos. Levantou a cabeça e seu rosto foi invadido pelas cores brilhantes das águas que chegavam a lhe queimar os olhos, refletindo a luz solar. Se colocou de pé. O calor do sol ao meio dia estava convidativo. Sem comentar nada e totalmente certo do que faria, se jogou nas águas refrescantes, mergulhando. Espantou os possíveis peixes que o irmão ainda esperava pescar.

— Ei! Seu ... — Ubiratã intentou lhe xingar e rogar pragas.

Desistindo da pesca arruinada, ele recolheu seu material e o depositou na canoa. Enquanto isso, Aimberê mergulhava e voltava à superfície, repetindo a ação diversas vezes, sendo observado pelo pai e irmão. O garoto demonstrava uma incrível afinidade com as águas.

Como não seria mais possível pescar naquele dia, Ubiratã deu-se como vencedor da competição que fizeram e também mergulhou nas águas, para brincar com o irmão. Os dois se moviam como peixes ou outros seres marinhos. Para eles não havia diferença entre estar em terra firme ou nas águas, tinham a mesma habilidade e segurança para se locomover.

O pai observava os filhos recolhendo e arrumando o material que usaram para pescar: flechas e lanças amarrados em fortes fios tecidos de caraguatá. Ali a pesca quase sempre era boa, pois havia abundância nos mares e rios, e devido ao treino e habilidades no uso das armas nunca erravam a pontaria.

Após alguns momentos, que para os dois rapazes foram refrescantes e revigorantes, eles voltaram à canoa. O pai os ajudou a se colocarem dentro dela novamente. E com o sol totalmente sobre suas cabeças estavam prontos para voltarem à aldeia. A fome começava a lhes incomodar.

— Vamos! — o pai disse já com pressa de estar novamente em casa.

— Vamos! — responderam juntos os rapazes, dando risadas em seguida.

O irmão menor voltou a examinar os peixes. Acompanhava com os olhos o movimento dos que ainda não haviam morrido. Incomodado com o sofrimento dos animais, pegou sua faca, que também estava na canoa, e terminou de matá-los. O pai e o irmão já remavam de volta, ambos de costas para o mar, com olhos fixos na ilha. Somente Aimberê permanecia voltado para o alto-mar, ainda que com os olhos fixos nos peixes.

Então, ao endireitar o corpo e levantar os olhos, a visão do menino foi atraída por algo na imensidão azul. Um movimento estranho se sobrepunha às águas no horizonte, como um pequeno objeto flutuante com uma ponta preta. Ele percebeu que alguma coisa surgia das profundezas oceânicas. Ainda eram apenas pequenos pontos emergindo e destoando do azul contínuo, mas havia alguma coisa lá. Havia algo diferente.

Taínos: os herdeiros da invasão - WATTS2019Onde histórias criam vida. Descubra agora