A famosa Lua Cheia

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Peter tinha faltado às aulas naquele dia, porque nada era mais importante que observar os lobos numa noite de Lua Cheia. Por isso, ficara a dormir durante toda a tarde. A mãe protestava, mas já não havia nada que pudesse fazer. O seu menino ia ser um biólogo famoso no futuro. Pelo menos era o que ela pensava...
Peter estava consciente de que podia não regressar a casa vivo. Os lobos eram perigosos, mas nada o conseguia impedir de tentar ver aquele lobo com os belos olhos azuis que o fascinada desde o primeiro momento que o vira.
-Mãe, vou sair.- anunciou Peter, enquanto tirava uma sandes do frigorífico.
A mãe não respondeu. Peter olhou para ela e viu que estava a chorar. Logo naquele momento em que ele não estava com paciência... O adolescente ajoelhou-se ao pé da mãe e tentou fazer com que esta parasse de chorar. A senhora estava deprimida há vários meses, mas o caso tinha vindo a agravar-se.
-Mãe, que se passa consigo?
A mãe não respondeu, continuando a chorar com o rosto escondido nas suas mãos enrugadas. A senhora tinha idade para ser avó de Peter, tinha sido mãe muito tarde.
-És a única pessoa que tenho, e ultimamente estás mudado, filho.- esclareceu ela, entre soluços provocados pelo choro.
Peter levantou-se com a fúria a correr-lhe pelo sangue.
-Como é que pode ser tão egoísta?!
-Isso pergunto-te eu, Peter! Passas noites seguidas naquela floresta diabólica e deixas-me com o coração nas mãos, sem saber se voltarei a ver-te antes de estares morto!
Peter estava mudado, toda a gente o notava, e era de esperar que a mãe também reparasse nisso, era a pessoa que estava mais próxima dele. Os olhos de Peter já não tinham aquele encanto, estavam cheios de ódio e amargura.
-Eu prometo-lhe que volto vivo para esta vida de miséria.- e saiu repentinamente de casa, com milhares de ideias dentro da cabeça.
Talvez fosse bom fugir e construir uma cabana com troncos na floresta. Era o único sítio onde sentia que não estava a mais, onde ninguém reclamava por estar presente, onde ele era verdadeiramente feliz.
Peter voltou a fazer o mesmo percurso que andava a fazer há meses. A cada dia conseguia avançar mais um quilómetro, devido à sua memória impecável que o lembrava dos sítios para onde tinha que se deslocar sem se atrasar muito. Ele estava tão, tão perto do núcleo... O coração começava-lhe a bater cada vez mais depressa à medida que as horas passavam por ele, como uma ave noturna a voar velozmente para caçar a sua presa.
A Lua estava muito perto de ficar na fase de Lua Cheia, faltavam meros minutos para poder ouvir os uivos dos lobos, que eram como música para os seus ouvidos.
Caminhou durante algumas horas e certa altura a densidade de pinheiros começou a diminuir. Peter não podia acreditar que estava no núcleo da floresta! Estivera a caminhar durante horas e o núcleo parecia quase impossível de alcançar, talvez fosse inexistente. Mas não, ele tinha chegado lá.
Ouviu passos de lobos, sem dúvida. Eram dezenas deles que corriam por entre as árvores, quase sem se importarem com a sua existência.
Peter achou melhor subir a uma árvore, uma que fosse suficiente alta para ser inalcançável pelos lobos. Depois de vários minutos de stress, sentindo-se pressionado pela proximidade dos lobos, Peter finalmente conseguiu alcançar o topo da árvore. Os pinheiros não eram árvores fáceis de trepar, porque eram demasiado regulares e as agulhas formadas pelas folhas espetavam-se no corpo se quem os tentasse trepar. Peter encontrou um ramo que era capaz de aguentar com o seu peso, sem ceder e acomodou-se. Tirou o seu caderno de apontamentos e um lápis e esperou pelo aparecimento dos lobos.
A certa altura, Peter começou a ouvir alguns uivos dos lobos, que se encontravam ainda a alguma distância. Era música para os seus ouvidos. Era incrível como os lobos estavam em perfeita sintonia, como se fossem uma verdadeira orquestra. E o mais impressionante é que não se cansavam, podia ouvir-se o uivo dos lobos durante horas...
Algo despertou Peter dos seus pensamentos: o movimento. Agora os passos eram mais nítidos. Talvez não fossem dezenas, mas centenas de lobos que corriam lado a lado, formando uma grande mancha escura. Então Peter viu-os, todos eles belos a correrem com o vento a passar por entre os seus pêlos finos e quentes, que os protegiam das adversidades da Natureza. Nunca estivera tão perto. Peter tentou ficar quieto, para que não notassem a sua presença.
O mais estranho é que se verificavam grandes divergências entre os lobos daquele grande grupo: os lobos que se viam em maior quantidade tinham um pêlo muito escuro, quase um preto com um toque de azul, e eram enormes, verdadeiramente grandes, e pareciam ferozes. Outros lobos, que não eram tantos como os negros, eram de tamanho médio e tinham pêlo cinzento e olhos que se viam à distância. Apenas uns 30 lobos é que eram mais pequenos, e tinham cores que variavam entre o castanho claro e o castanho escuro. Seriam alcateias diferentes que se estavam a ajudar mutuamente? Peter continuou a tirar apontamentos sobre aquele estranho relacionamento.
Então, algo de muito estranho aconteceu. Começou a ouvir cada vez mais barulho e percebeu que outro grupo de lobos se aproximava, também composto por três grupos de lobos que se distinguiam. Cada grupo parecia raivoso. Peter conseguia ver os lobos que se encontravam pais próximos a mostrarem os caninos pontiagudos e as gengivas vermelhas. Antes, Peter tinha achado os lobos encantadores, mas o que via deixava-o assustado. Um movimento em falso e ele podia cair da árvore e ser atacado pelos lobos esfomeados e enraivecidos.
Então, ele viu-a. Estava no segundo grupo, mais ou menos no meio, e os olhos dela também estavam diferentes, talvez tristes e com ódio. Noutra ocasião, Peter tinha-a desenhado segundo a sua memória e os desenhos correspondiam à realidade. As manchas cinzentas estavam distribuídas de maneira correta, o focinho estava perfeitamente desenhado e até as dimensões do corpo estavam à escala. Talvez aquela loba fosse a única no grupo que não parecia enraivecida, estava mesmo triste, com as orelhas peludas para baixo. Ao seu lado estava um lobo grande, de pêlo castanho, com uns olhos castanhos muito escuros. "Quase que podia descobrir a vida de Johanna numa alcateia..."
E ele não fazia ideia de que estava tão certo...

Out of the WoodsOnde histórias criam vida. Descubra agora