Outro hospital

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Ao mesmo tempo que Jo estava numa cama de hospital a partilhar sentimentos e memórias com o irmão que já não via há muitos anos, Peter estava também num hospital e não em muito bom estado.
O tronco onde se tinha apoiado quebrara devido aos movimentos de excitação de Peter ao ver os lobos em movimento. Caiu e foi atacado por lobos raivosos. Não se sabe como conseguiu escapar-se daquela concentração de lobos. Passaram vários dias para que no Exterior o descobrissem. A mãe de Peter tinha ficado extremamente doente, devido aos nervos provocados pela ausência prolongada do filho, tendo sido esta internada no hospital sob calmantes que não a deixavam raciocinar. Felizmente, a velha senhora já estava melhor, apenas tinha que ter cuidado com a medicação que teria que tomar até ao fim da sua vida.
Peter já se encontrava hospitalizado, mas ainda estava muito debilitado. A mãe de Peter tinha ficado mesmo preocupada, nunca gostara dos lobos que o filho tanto venerava. "Deviam ser todos abatidos.", costumava dizer a senhora, causando raiva a Peter, que odiava essa ideia.

-Johanna...– Peter murmurou no seu sono profundo.
As enfermeiras ficaram alarmadas. Era o primeiro sinal de que o jovem começava a recuperar do ataque. Falaram com a mãe de Peter e disseram-lhe o nome que o filho tinha dito.
-Johanna. Esse nome diz-lhe alguma coisa?– perguntou uma das enfermeiras, uma baixinha e gorducha.
-Não. Também não conheço os amigos dele... Talvez fosse melhor chamar a namorada, Chloe, pode ser que ele reaja ao ouvi-la ou saiba quem é essa Johanna.
Chloe apareceu mais tarde no hospital, mas Peter nem se mexeu quando a namorada começou a falar com ele. Estava num sono profundo, talvez influenciado pelos medicamentos. Se Peter acordasse podia ser pior. As enfermeiras falaram com Chloe sobre a tal Johanna. Quando a esbelta rapariga ouviu aquele nome encheu-se de raiva e ciúmes.
-Conheço-a, sim. É uma miudita que desapareceu. Só falei com ela uma única vez e deu para perceber que não presta.
Chloe começou a contar histórias inventadas sobre Johanna. Obviamente, ninguém acreditou nela, porque Peter continuava a repetir o seu nome vezes sem conta com um ligeiro sorriso nos lábios.

Mais tarde, Peter acordou sentindo-se como um farrapo. Olhou em volta e viu que estava no hospital. Então, as memórias da noite anterior invadiram-no. Começou a gritar como se ainda estivesse a ser atacado pelos lobos, como se ainda sentisse os dentes afiados daquelas criaturas espetados na sua pele.
-Socorro!– gritou.
As enfermeiras entraram e viram-no em total desespero. Peter debatia-se, tentando arrancar todas as coisas que o prendiam à cama. Peter pensava que eram lobos, mas eram apenas correias que o deixavam preso à cama.
-Não! Soltem-me!– ordenou, tomando as enfermeiras como as criaturas que o tinham atacado.
-Dêem-lhe um calmante. Rápido!– uma das enfermeiras estava impaciente.
Quando o calmante começou a entrar nas veias de Peter, este começou a descontrair e voltou a adormecer.

Peter voltou acordou quando já estava a anoitecer. Já estava consciente de onde se encontrava, sabia que estava longe dos lobos.
-Peter, meu amor.– a mãe apareceu e acariciou-o.
Peter ficou a olhar para a janela a ver a neve a cair. Os dias estavam a aquecer, já não havia tanta neve como dantes.
-O que se passou? Sentes-te bem?
Peter não respondeu. Continuou a olhar para a neve, para aqueles pequenos flocos de neve que nunca eram iguais a outros. Cada floco de neve era único. O mais fabuloso era que se lembrava disso. Mas quem era ele, qual era o seu nome, quem era aquela senhora que se inclinava sobre ele? Tudo o que se recordava era de ser atacado por lobos gigantes com enormes mandíbulas.
-Peter?– a senhora agarrou-lhe no queixo.
-Quem é você?
A senhora riu-se enquanto chorava de alegria.
-Peter, até num hospital tens sentido de humor?
Peter abanou a cabeça negativamente.
-Chamo-me Peter?
-Sim, filho. Não brinques comigo, filhote, sabes que eu já não vou para nova...
Tudo era um autêntico vazio dentro da cabeça do adolescente. Nem se lembrava daquela senhora que se apresentava como sendo sua mãe.
Chloe entrou no quarto cheia de lágrimas de crocodilo nos olhos. Segurava um lenço de papel nas mãos que levava aos olhos quando uma lágrima ameaçava rolar pela sua pele de porcelana, para não borratar a maquilhagem impecável.
-Meu docinho! – Chloe aproximou-se do namorado e afastou a mãe deste.
Peter estava num autêntico estado de confusão. Não se lembrava daquela rapariga, mas sabia que estava muito longe de poder ser a sua namorada. Ele nunca se apaixonaria por alguém assim tão... tão excêntrico e falso (ele podia dizê-lo só pela maquilhagem exagerada que a tornava numa pessoa diferente).
-Amor, estás bem?– perguntou por cortesia, porque não se importava mesmo com a resposta.– Não sabes o susto que me causaste, docinho! Tive que cancelar todas as festas que tínhamos planeado fazer ou festas a ir, porque assim que soube o que aconteceu vim logo para aqui e nem me importei com o resto. Ai, amor, nunca mais voltes para aquela floresta!
Peter estava odiar aquela rapariga desconhecida, que aparentava mostrar-se muito mais preocupada com as festas do que com ele.
-Desculpa, mas eu não te reconheço...
-Chloe, é melhor saíres.– a mãe agarrou-a, afastando-a do filho.
Chloe foi empurrada até à porta, a gritar por odiar as atitudes daquelas pessoas. O que teria ela na cabeça para namorar com o filho de alguém tão pobre? Peter era um rapaz bonito, mas não de uma beleza exótica, e ainda por cima era de uma classe social baixa. Era melhor encontrar algum amigo dele que fosse rico e que desempenhasse um melhor papel que Peter, alguém que gostasse mais dela do que dos lobos.
-Alguém me pode explicar por que razão é que não me lembro de nada?
Talvez atendendo ao seu pedido, uma médica entrou, exibindo o seu estetoscópio à volta do pescoço, como se fosse um lenço. Era uma mulher por volta dos trinta e poucos anos, de cabelo castanho apanhado num rabo de cavalo e tinha olhos escuros, quase pretos, que lhe davam um ar misterioso.
-Peter, eu sou a tua médica, Eleanor. Foste atacado por lobos no seu meio natural. Mas foste muito corajoso, Peter! Sobreviveste a algo que nunca ninguém conseguiria suportar. Ficaste com graves ferimentos na cabeça e isso pode ter afetado a tua memória. Garanto-te que em breve vais começar a lembrar-te de tudo, prometo.
Era uma mulher simpática, com um sorriso encorajador. Só isso já o fazia sentir-se melhor.
-Posso fazer-te uma pergunta? – questionou a médica, com uma ruga de preocupação na testa de pele branca.
-Diga.
-Por que razão te aventuraste tanto no interior da floresta?
Peter agarrou a cabeça, talvez por causa das dores e da pressão em que o colocavam. A médica Eleanor aproximou-se dele e segurou-lhe ambos os pulsos, para que ele deixasse de se debater.
-Desculpa, desculpa. Eu mesma devia saber que não consegues responder a essas perguntas agora.
-É que eu não me lembro de nada. Eu não sei quem sou.

Out of the WoodsOnde histórias criam vida. Descubra agora