Alguém especial na cabeça

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Peter saiu da casa de Alexa com um sorriso idiota no rosto. Horas antes tinha ligado para o número que a empregada do Starbucks lhe deu. Ficou surpreendido ao ouvir uma voz jovial e alegre que se mostrou disponível a falar com ele.
-Tu deves ser o Peter!- Alexa tinha-lhe aberto a porta quase a dar pulos de alegria.
-Sim... Sou eu.- Peter tinha ficado babado a olhar para ela.
Alexa era uma rapariga que não devia ter mais de 25 anos com enorme sucesso na área do jornalismo. Além de ser uma ótima jornalista, tinha uma beleza exótica que hipnotizou Peter logo no primeiro momento em que a viu. Cabelo negro e espesso a cair em ondas largas pela zona do peito, pele morena da cor das azeitonas e grandes olhos castanhos escuros com pestanas compridas. Talvez causasse inveja a muitas mulheres com aquelas maçãs do rosto salientes e lábios grossos de um vermelho intenso. Tinha um corpo encantador: era alta e cheia de curvas.
-Sou a Alexa.- estendeu-lhe a mão e Peter apertou-a, sentindo o toque da pele suave dela.
Ela recebera-o na sala de estar da sua casa, onde reinava a desorganização. Peter não se importou, a beleza daquela mulher compensava tudo.
Peter contou-lhe tudo o que se lembrava, falou-lhe da perda de memória, da casa em frente à floresta e do ódio que sentia aos lobos.
-Também não gosto nada desses animais, são perigosos.- Alexa confessou, inclinada para a frente com uma sobrancelha erguida.
Peter tinha planeado tudo ao ínfimo pormenor e a jornalista parecia absorver cada palavra ou movimento de Peter enquanto escrevinhava num bloco de notas e gravava a conversa com um gravador.
À saída, Alexa despediu-se de Peter dando-lhe um beijo na face direita. O adolescente corou, ficou envergonhado, o oposto do antigo Peter, que era tão confiante de si mesmo.
-A tua história estará nos jornais daqui a dois dias. Justiça será feita, querido Peter.

Peter teve uma visão estranha enquanto caminhava em direção ao hotel. Era algo estranho, porque a rapariga loira da visão anterior aparecia de novo. Ele estava num lugar escuro, rodeado de árvores, no frio da neve. Então, a rapariga loira apareceu a chorar, mas ajudou-o a regressar em segurança ao exterior da floresta onde se encontrava. Mas ele não entendia por que motivo é que ela aparecia em qualquer uma das suas visões. Estaria a recuperar a memória ou era tudo como um sonho?
-Peter, o que te deu na cabeça?!- a mãe gritou-lhe quando chegou ao hotel.
Peter não respondeu. Em vez disso, foi direto ao seu quarto e trancou-se.

Peter acordou sobressaltado. Tinha tido outro sonho estranho. Mas foi um sonho agradável, em que ele quase que podia sentir os lábios da rapariga loira com aqueles olhos azuis gelados. O sonho tinha sido tão realista que ele não sabia se teria sido a memória dele ou a mente confusa a pregar-lhe partidas.
Sentou-se na cama e inspirou profundamente. Ele precisava de encontrá-la, ele precisava de respostas para toda aquela confusão que reinava na sua cabeça.
Alguém bateu à porta. Peter não se moveu, não queria saber do mundo.
-Peter?
A voz não lhe dizia nada. Levantou-se com algum sacrifício e destrancou a porta. Voltou a sentar-se na cama sem abrir a porta ao homem que estava do outro lado. No segundo seguinte, a porta abriu-se. Era um médico, sem dúvida.
-O que está a aqui a fazer?- atirou.
-Ficou combinado com a tua médica que vinha mudar-te a faixa da cabeça e ver como estás a cicatrizar.
Peter revirou os olhos e prometeu a si mesmo que nunca mais punha um pé num hospital.
O médico foi breve. Dez minutos depois já tinha saído do quarto, deixando Peter entregue aos seus pensamentos.

"Vou à floresta" foi a primeira coisa em que pensou quando acordou na manhã seguinte. Só iria depois de recuperar totalmente, ia ser essencial para que pensasse com clareza e para que pudesse correr ou passar lá a noite, se fosse necessário. Algo no interior dele lhe dizia que a rapariga loira ia aparecer.
-Posso entrar?- a mãe bateu à porta.
-Entra.- deu permissão.
Quando a mãe entrou, deparou-se com o filho na cama, os braços enrolados à volta das pernas, a cabeça pousada nos joelhos. Peter era alto, mas naquela posição parecia tão pequeno e frágil que a velha senhora teve que resistir à tentação de aconchegar o filho nos braços.
-O médico disse que dentro de um mês estarás bem.- contou, enquanto se sentava numa das extremidades da cama.
Peter não respondeu, recusava-se a aceitar uma vida que nunca viveu.
-Conte-me tudo sobre a minha vida. Se me mentir, eu vou descobrir.
A senhora pousou os olhos na colcha da cama. Ia ter muito para dizer, mas havia algo que tinha de perguntar.
-Conheces uma Johanna? Quando estavas inconsciente não paravas de repetir o nome dela.
Peter passou a mão pelo cabelo, que lhe começava a cair para os olhos. Desviou-o e tentou pensar. Johanna. Johanna. Johanna. Não lhe dizia nada.
-É uma rapariga loira de olhos azuis, segundo a Chloe.
A informação atingiu-o como uma murro no estômago. Ficou ofegante. Ela era real. Ela existia, e ele não tinha desligado dela nem mesmo quando fora atacado.
-Preciso de a encontrar, e a mãe tem que me ajudar.
A mãe dele não sabia se queria perder o filho ao contar-lhe todo o passado. Mas e se lhe contasse uma mentira daquelas bem elaboradas? O mais certo era viver com um peso na consciência durante anos que a matasse aos poucos.
-Não sei como começar... Acho que devo começar pela tua paixão. Eras obcecado com lobos, passavas noites seguidas na floresta com os teus apontamentos. Estavas sempre a investigar coisas que nunca percebi. Nessa noite... Tu estavas a estudar os comportamentos dos lobos numa noite de Lua Cheia. Pensa-se que estavas no topo de uma árvore e que caíste. Tinhas bastantes apontamentos, mas ninguém quis coscuvilhar o que escreveste, garanto-te.
Peter começou a ver pontos negros a surgirem à sua frente. Aquilo deixou-o abalado, a mãe só podia estar a mentir-lhe. Se tinha adorado os lobos, por que motivo é que sentia um ódio crescente a cada dia que passava e de cada vez que ouvia um uivo de um lobo?
-Está a mentir.- acusou.
A mãe abanou a cabeça. Várias lágrimas rolaram-lhe pelo rosto como uma cascata.
-Eu tenho dezenas de cadernos teus. Eu posso mostrar-te o mais recente.
Peter não tinha reparado que a mãe trazia uma carteira. Era preta, de couro e com alguma idade. A senhora vasculhou lá dentro e tirou um caderno de capa preta bastante amarrotado e com algumas manchas escuras de terra.
-Estavas agarrado a ele quando te encontrámos.
Peter pegou no caderno que a mãe lhe estendia e folheou-o com bastante cuidado. Era a letra dele, isso era óbvio. Então, por que razão é que a cabeça dele se recusava a aceitar a vida que tinha tido antes do acidente?
-Quero esses animais todos mortos.- foi a única coisa que disse.
E saiu do quarto com a cabeça num turbilhão.

Out of the WoodsOnde histórias criam vida. Descubra agora