Os olhos

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Quando Peter chegou à escola, pegou no seu telemóvel e ligou a Chloe. Ao terceiro toque, a namorada atendeu e disse-lhe que estava no bar com os amigos de ambos. Desceu as escadas do edifício. Olhou para o visor do telemóvel e viu que faltava muito pouco tempo para tocar. Acabou por voltar a subir as escadas, mas já tinha visto a namorada rodeada de imensas pessoas, como era habitual. Estava linda, como sempre. Às vezes achava as suas roupas um pouco provocadoras, mas não gostava de gerar discussões inúteis sobre esse assunto. Peter não era ninguém para decidir o que ela vestia ou deixava de vestir.
A campainha tocou e apareceu uma multidão de pessoas cujo aparecimento desconhecia. Apesar de os corredores serem apertados, Peter gostava daquela confusão diária. Começou a dirigir-se para a sua sala, a 35, até que chocou uma rapariga que parecia totalmente desorientada naquela enorme escola. Agarrou-a gentilmente, com medo de que caísse e se magoasse naquela confusão. Quando viu os olhos dela, foi como se lançassem lasers e o tivessem hipnotizado. Eram os olhos. Era óbvio que não eram os olhos do lobo que ele tanto apreciava, mas eram tão semelhantes que o deixaram sem fôlego. A rapariga, que era bela como uma boneca de porcelana, apressou-se a pedir desculpa. Sem conseguir resistir-lhe, levou Johanna (tinha descoberto o seu nome) à sala e dispôs-se a ajudá-la sempre que necessitasse. O que Peter estava a fazer não era correto, era verdade, mas não podia resistir àquela sensação que sentia no peito. O coração dava triplos mortais no seu interior. Na aula de Física não conseguiu concentrar-se. Tinha na sua memória aquela rapariga tão bela, de dimensões perfeitas, com os olhos mais belos do mundo e o cabelo loiro como fios de ouro.
Enquanto o professor falava, Chloe apertou-lhe a mão debaixo da mesa.
-Ouviste o que eu disse?
-Hum?- olhou para ela, ainda com o rosto de Johanna na cabeça. Imaginou Chloe com o rosto da rapariga, mas achou que a personalidade não combinava...- Desculpa, estava concentrado no que o professor estava a dizer.
Chloe estava frustrada. Tinha que ser sempre o centro do universo, ou então as outras pessoas teriam problemas.
-Estou a falar da festa deste fim-de-semana. Vais, não vais, amorzinho?- os olhos negros da namorada fitavam-no. Outrora, para ele os olhos de Chloe eram os mais belos do planeta, com a sua escuridão que não deixava mostrar os seus sentimentos, mas naquele momento, só conseguia pensar nos olhos do lobo/ Johanna.
-Desculpa, Chloe, mas tu sabes que eu odeio festas.
-Por favor!- Chloe começou a piscar os olhos com as suas longas pestanas com rímel, para tentar convencê-lo.
Por sorte, Peter foi salvo pelo toque. Reuniu-se com alguns amigos que já não via há algumas semanas. Puseram a conversa em dia e riram-se de algumas piadas lançadas por Peter. Peter não era aquele género de rapaz que gostava de ser o centro, como Chloe. Quando os dois começaram a namorar, foi completamente inesperado para a escola toda. Quem diria que a beldade exótica que era Chloe iria namorar com um rapaz até atraente, com olhos também belos, apesar de estarem por trás de uns óculos que pareciam pesados? Quem olhasse para eles, diria que não combinavam. Com o passar dos tempos, aquele namoro pareceu durar, por isso passou a ser natural estarem os dois sempre juntos.
A certa altura, Chloe entrelaçou os seus dedos com os do namorado. Sussurrou-lhe algumas palavras ao ouvido e afastaram-se, os dois a sorrirem. "Tenho saudades tuas, bebé", dissera. Decidiram descer para o pátio da escola, onde se reuniam alguns casais. Quando passaram pelo bar da escola, Peter avistou Johanna e os seus olhos voltaram a assumir o seu brilhozinho apaixonado. Falou vagamente da rapariga à namorada e pararam para falar com ela. Mesmo distraída, conseguia ser linda. Chloe esforçou-se ao máximo para ser simpática, mas Peter conseguia notar que não gostava nada da nova aluna. Despediram-se dela e Peter esforçou-se por fazer a namorada rir, e com sucesso.

Quando a campainha anunciou o fim das aulas daquele dia, Peter sentiu-se imediatamente mais leve. Não tinha voltado a ver Johanna depois do encontro no bar, e se não a via, sentia-se cada vez pior. "Estás a ser obsessivo, Peter", dizia a sua mente. Arrumou as suas coisas dentro da mochila e despediu-se da turma com um leve aceno e um sorriso. Lá fora, enquanto lutava com a neve, que insistia em "engolir" os seus pés enquanto caminhava, sentiu alguém a tentar correr para o alcançar. Virou-se para trás e deu de caras com Chloe. Ela devia estar cheia de frio com aquela roupa.
-Nem te despediste de mim!
-Desculpa, Chloe, mas tu estavas muito entretida com as tuas amigas...
Chloe abrandou o passo e Peter esperou para que se aproximasse. Ela era incrivelmente bela, mas não se via com ela. Afastou o pensamento da cabeça e obrigou-se a sorrir. Inesperadamente, Chloe beijou-o docemente, e os lábios dela estavam tão quentes que ninguém diria que ela estava com a pele tão exposta.
-Tenho que ir.
-Não queres vir para minha casa, antes? Avisas a tua mãe e depois vais...
-Desculpa, Chloe, mas hoje não estou com humor.

Enquanto caminhava, pensava no rosto de Johanna. De certeza que era uma rapariga decente, simpática, inteligente e reservada como ele... Nunca pensara tanto em alguém como nela, nem mesmo em Chloe. Naquele momento, podia considerar a namorada como um "passatempo". Não era correto o que pensava, sim, era verdade, mas depois de conhecer a rapariga dos olhos do lobo, nada se podia comparar àquela loira tão bela e diferente de todas as outras. A certa altura, enquanto levantava o olhar do seu iPod, viu a pessoa em quem tanto pensava naquele dia, a uns 100 metros um pouco mais à sua frente. "Johanna". O nome começara a formar-se na cabeça. Os seus lábios ainda demoraram um pouco a compreender a informação que o cérebro lhe enviava. Um pouco hesitante, Peter chamou:
-Johanna!
Ela continuou a andar, talvez com medo dele. No que pensara ele? Mal se conheciam e ele estava perdidamente louco por ela. Quando já pensava que ela não o tinha ouvido mesmo,  Johanna rodou sobre si mesma e uma expressão de espanto misturada com felicidade estampou-se-lhe no rosto.  Ela esboçou um grande sorriso e acenou-lhe com a mão direita, enquanto que a outra estava dentro no casaco, possivelmente gelada. O que daria para aquecer aquelas mãos... A loira parou, possivelmente à espera dele. Esperança encheu o coração de Peter. Com cada vez mais vontade de a alcançar, acelerou o passo, o que podia ser considerado impossível naquele dia de neve. Quando finalmente a alcançou, cumprimentou-a com dois beijos na face. Perguntou-lhe se estava tudo bem, como lhe correra o dia, e quase podia afirmar que via um brilho no olhar dela.
-Onde moras?
-Numa casa em frente da Floresta Grey. Gosto de me embrenhar na floresta quando preciso de tempo para mim mesmo...- talvez estivesse a arriscar demasiado, por isso, de cabeça para baixo, continuou a andar, olhando para os seus pés gelados.- E tu?
-Vivo perto da escola, mas apeteceu-me vir passear...-notava que ela estava a mentir, mas não a quis pressionar com perguntas. A morada dela não era uma coisa que para já lhe interessasse muito. - A Floresta Grey, hein?
Os olhos lindos dela fixaram-se nos dele pela primeira vez. Como eram belos...
-Sim... –sentia-se seriamente incomodado.– Vieste cá para a Winter sem conhecer ninguém?– preferiu mudar de assunto. Se continuasse a falar da floresta, ia acabar por se denunciar. Talvez fosse uma estupidez estar obcecado por uma rapariga que tudo o que tinha apenas eram os olhos parecidos com o lobo que ele tinha visto.
–Na verdade, vim com o Thomas e com o meu irmão gémeo.
Ela parecia estar a falar à vontade. Peter perdeu a esperança de que ela fosse solteira quando ela disse que tinha vindo com um rapaz para a mesma escola. Não era qualquer amigo que mudava de escola porque a "amiga" também. Também ficou surpreendido à referência de um irmão gémeo. Preferia pensar que os olhos que tinha visto tivessem sido de uma loba, e não de um lobo.
–Thomas?
"Estúpido, está mas é calado.", disse ele para si próprio.
–Ah, sim.– ela não parecia ter notado curiosidade na voz dele, pelo que falou naturalmente, ou o "naturalmente" que conhecia dela.– É meu amigo. E o meu irmão... Não temos nada a ver um com outro, só os olhos.
Meu Deus, aquela rapariga falava pelos cotovelos!
–Ai sim?– falavam tranquilamente um com o outro, como se se conhecessem há anos e fossem velhos amigos.
–Se algum dia o conheceres, vais ver que as nossas personalidades são completamente opostas e que os olhos são a única coisa que podem dizer que temos de parecido.
Johanna riu-se com tanta naturalidade que Peter também teve vontade de se rir, pela primeira vez naquele dia enfadonho. Estiveram calados durante um momento enquanto caminhavam para sabe-se lá onde. Finalmente, a sua nova amiga quebrou o silêncio:
–Não sei porquê, mas tenho a impressão que te conheço de algum lado, mas isso é absurdo.
Ela estava com a cabeça voltada para cima para o observar, devido à grande diferença de alturas. Podia ver que estava curiosa. Imediatamente, uma nova chama de esperança preencheu-lhe o espaço que tinha ficado vazio pela hipótese de ter visto o irmão gémeo de Johanna.
–É estranho, porque desde que te vi que penso o mesmo...
Eles estavam tão próximos que podia sentir o hálito a canela emanado pela boca perfeita da amiga. Como era possível alguém cheirar tão bem?! Os olhos gelados dela estavam fixos nos seus olhos castanhos. Os óculos dele começaram a embaciar, devido às expirações da rapariga. Sem conseguir conter-se, Peter levou a mão direita dele ao rosto de Johanna, puxou-a para si e fechou os olhos, dando-lhe um beijo quente. Como ela beijava tão bem... E aquele sabor a canela contido nos seus lábios tornava tudo mais picante. Johanna devolveu-lhe o beijo e aqueceu-lhe o corpo que antes estivera gelado. Quando se afastaram, Johanna parecia surpreendida, enquanto que ele estava feliz.
-Até amanhã– disse ela.– Já se faz tarde e tenho que ir para casa.
Com o olhar provocador, afastou-se com uma gargalhada e foi-se embora com os seus olhos encantadores.

Out of the WoodsOnde histórias criam vida. Descubra agora