Sebastian ou Cameron?

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Passou um mês. Como é que o tempo passava a voar assim, diante dos meus olhos? Estava no alpendre da nossa casa, com Brian atrás de mim, as mãos pousadas nos meus ombros para me dar apoio. A guerra tinha acabado, mas não acreditava muito nisso. A maior parte da Unus concordou em procurar "a rapariga que se envolveu com um humano". Tive vontade de me aproximar de cada um daqueles que estiveram a governar e arrancar-lhes um olho com um saca-rolhas. Não os percebia. Eles tinham-nos atacado, provocaram milhares de mortes e a minha alcateia mesmo assim preferia esquecer tudo o que acontecera e unir-se à Crudelis para "um bem maior". Será que aqueles que perderam familiares na guerra não sentiam raiva da Crudelis? Brian dizia-me que só queriam paz, que seriam capazes de fazer o que fosse preciso para que não morresse mais gente, no entanto eu não partilhava dessa opinião e sabia que ele também não.
-O táxi nunca mais chega...– resmunguei.
Ele beijou-me o pescoço, causando-me um calafrio. Estávamos perto da primavera, mas eu ainda sentia tremores de cada vez que Brian me tocava.
-Vai correr tudo bem.
Virei-me para poder ver aqueles olhos escuros.
-Se eu for líder, vou ter que encarar o Thomas outra vez, e essa ideia aterroriza-me.
-Vocês foram os melhores amigos, achas que ele era capaz de te magoar?!
-Já nem sei do que ele é capaz...
Uma buzina distraiu-nos. Virei-me e vi um táxi à minha frente. Abracei Brian e desci as escadas do alpendre, feliz por finalmente me poder deslocar sozinha, sem aquele gesso a servir de empecilho.
Quando a guerra tinha acabado, já tinha o coração nas mãos de novo. Fiquei feliz ao ouvir a porta da frente a abrir e ao escutar os passos pesados de Brian nas escadas. Nessa altura, Autumn estava comigo enquanto ouvíamos as notícias deprimentes da nossa cidade.
Abri a porta do táxi e olhei uma última vez para Brian. Acenei-lhe e entrei no carro, onde me preparei mentalmente para o que se ia seguir.

O taxista levou-me a uma casa pequena, igual a muitas outras. Agradeci ao taxista e saí do carro. O táxi arrancou logo a seguir, como se estivesse atrasado para ir a algum lugar. Estava com os nervos em franja. Não sabia o que vestir naquela manhã e tive que pedir a Brian a opinião dele, que não era a mais indicada. Também não podia perguntar a Autumn, que possivelmente estaria enrolada com o namorado, na casa deles. Acabei por vestir umas calças de ganga pretas, uma camisola dourada e branca, vesti um casaco por cima e pus um gorro preto de lã na cabeça. Calcei umas botas e saí.
Toquei à campainha. Não ouvi nenhum som vindo da casa e pensei que Sebastian tinha gozado comigo. Quando já estava pronta para voltar costas àquela casa, abriram-me a porta.
-Jo!– Sebastian sorriu.
Deixou-me entrar. Aquela casa estava incrivelmente quente. Era acolhedora, mobilada com móveis modernos e pintada de cores quentes e neutras. Fiquei durante algum tempo a olhar à minha volta até que Sebastian falou:
-Temos muito que conversar.
Fiz um sorriso forçado. Algo me dizia que não ia gostar do que ia ouvir.
Sebastian pousou uma mão nas minhas costas, causando-me a sensação de que tinha levado um choque eléctrico. Os olhos verdes dele encontraram os meus. Senti vergonha por não ser a rapariga que era, aquela destemida, conhecida por toda a gente e que não tinha papas na língua. Mudar de escola tinha mudado a minha vida.
Chegámos a um escritório decorado por uma grande secretária de madeira escura, cheia de papéis espalhados por todo o lado. Dois cadeirões vermelhos estavam igualmente cobertos por papéis.
-Peço desculpa pela desorganização.– disse ele, enquanto passava uma mão pelo cabelo castanho claro.– Senta-te.
Afastei alguns dos papéis e sentei-me. Sebastian sentou-se no cadeirão ao lado, aquele sorriso atraente esculpido nos lábios vermelhos.
-Não sei por onde começar...
-Pelo início.
A minha intenção não era ter piada, mas Sebastian riu-se. Simplesmente queria recuperar a minha faceta de durona.
-Tu e eu somos irmãos.
Devo ter feito uma cara assustadora, porque Sebastian voltou a rir-se. De cada vez que ele soltava uma gargalhada, a cabeça voltada para o teto e os olhos fechados, tinha vontade de agarrá-lo e de fazer com que ele fizesse parte da lista dos muitos rapazes que ficaram aos meus pés. Só passados alguns segundos é que percebi o significado das palavras de Sebastian e senti vergonha dos meus pensamentos.
-Espera...
Senti a cabeça a andar à roda e o mundo a desfazer-se diante dos meus olhos. Nada fazia sentido. Eu tinha uma família. Tinha muitos irmãos, tinha os meus pais... Bem, se calhar já não os tinha, eles tinham decidido esquecer que eu existia, tal como tinham feito com Jeremy. Senti um sabor azedo na minha garganta quando o ódio invadiu o meu coração, destruindo-o.
-Eu sei que pode parecer estranho.
Sebastian inclinou-se no seu cadeirão e agarrou-me as mãos, frias como sempre. O toque suave das mãos quentes dele surpreendeu-me.
-Isto é estranho.
-Eu sei que pode não fazer sentido, mas a tua família não era a tua família.
Sebastian coçou o topo da cabeça. Não sabia como explicar as coisas.
-Os nossos pais eram pessoas vulgares, como toda a gente nesta cidade. Tiveram quatro filhos. Robert Hewitt, Cameron Hewiit, Nora Hewitt e Matthew Hewitt.
-Mas o meu nome não consta nessa lista, nem o teu.
Sebastian apertou as minhas mãos com mais força com um sorriso agradável.
-Não reconheces nenhum destes nomes, porque são os nomes verdadeiros das pessoas desta lista. O nosso irmão, que poderás conhecer como Jeremy, chama-se Robert. Eu chamo-me Cameron. E tu...
Ele soltou as minhas mãos e passou os dedos pelos meus cabelos loiros.
-E tu és a minha irmã mais nova, Nora.
Já sabia o que se ia seguir. Jackson, o meu gémeo, era Matthew.
-Porquê todo este jogo de nomes?
Ele fixou o olhar nos joelhos. Tive vontade de lhe bater, de obrigá-lo a contar tudo o que sabia.
-Algo de estranho aconteceu à nossa família. Primeiro, Jeremy, que teve uma transformação muito cedo e que se sentiu atraído pelo exterior. Depois, eu, que fui exatamente igual. A nossa família começou a ser procurada e tivemos que adotar novas identidades. Chamavam-nos de "perigo para a sociedade". Quando tu e o Jackson nasceram, os nossos pais viram-se obrigados a entregar-vos a uma família de confiança, que cuidasse de vocês para se protegerem. Eles estavam (e estão) à vossa procura, pensam que podem ter um valor inestimável, que precisam de ser abatidos, tal como nós. A minha salvação e a de Jeremy foi termos mudado de alcateia e de identidade. Supostamente somos valiosos, somos procurados há anos, desde que nascemos.
Ele voltou a fixar os olhos verdes bastante atraentes em mim.
-És igualzinha à mãe...
Recusei-me a acreditar numa única palavra dele. Tudo fazia sentido, mas eu não queria acreditar. Sim, eu tinha-me sentido deslocada naquilo a que chamava "família", e tudo tinha tidoum motivo, eu não pertencia mesmo àquela família. E eu era irmã de Sebastian, uma pessoa que conseguiu mostrar o seu poder com outra identidade.
-Disseste que todos sentimos uma atração pelo exterior, mas e Jackson?
-Há tanta coisa que não sabes, Nora.– com o indicador, tocou-me na ponta do nariz.
Nora... Estranhamente, até gostava de nome, mas não fazia intenções de usá-lo.
-Qual era a nossa alcateia?
Vi que toquei num ponto delicado. Sebastian/ Cameron desviou o olhar e senti-o a abater-se no cadeirão vermelho.
-Maior...– acabou por dizer.
A informação chocou-me. Senti-me abalada e revoltada. A alcateia com que anteriormente sonhara tinha sido a alcateia em que nascera. Não soube o que sentir: orgulho ou vergonha por ter nascido no meio de crueldade.
-E os nossos pais?
-A Maior matou-os.– Sebastian disse aquilo com tanto azedume que cheguei a perguntar-me se ele gostava deles.
Não chorou, não mostrou qualquer outra emoção. Levantou-se e olhou pela janela. Também me levantei.
-Posso pedir-te uma coisa?– sem ter tido tempo para me controlar, as palavras saíram da minha boca como água a sair de uma torneira.
-Diz.
-Abraça-me.
Sebastian/ Cameron não pensou duas vezes, como se fosse uma coisa natural. Envolveu o meu corpo magro com os braços fortes. Pousou a cabeça no meu ombro, e eu pousei a minha cabeça no dele. Ele cheirava a baunilha, algo que me surpreendeu. Pela primeira vez em muito tempo, senti que pertencia a algum lugar: nos braços do meu irmão.

Out of the WoodsOnde histórias criam vida. Descubra agora