"All monsters are human"
Angustiado, dou mais uma olhada em meu relógio de pulso. Não conseguia parar de balançar os pés, na verdade eu não conseguia ficar parado, só não estava andando de um lado para outro porque seria dramático demais, e não curto fazer drama quando estou sozinho.
Ouço o som da porta se abrindo. Quem eu estava esperando finalmente chegou.
- Ei filho, trouxe da padaria aquele brigadeirão que você adora. Você deu sorte, pois era o último. Não sei como conseguem comer essa coisa.
- Olha só quem vem lá. - Agora era o momento de jogar toda a merda no ventilador. - O Senhor "Escondo Minha Verdadeira Orientação Sexual do Resto do Mundo Exceto do Pastor Pilantra". É incrível sua falta de vergonha na cara.
- Primeiro, abaixa o tom de voz mocinho. - Meu pai larga a sacola da padaria em cima do balcão da cozinha, mudando rapidamente sua expressão de contente para "O que foi que você disse, moleque?" - Segundo, do que é que você está falando?
- Ah, para, não vem bancar o inocente, você sabe exatamente do que eu estou falando.
Ele agora está parado, olhando para mim, não em minha direção, mas dentro dos meus olhos, a ficha dele finalmente caiu, ele sabe do que estou falando.
- Meu pai é bi, ou talvez gay e ainda por cima está tendo um caso com o pastor. É incrível como isso é engraçado, sabe por que? - Meus olhos começam a se encher de lágrimas, talvez por raiva, talvez por tristeza. - Porque seu filho é gay, e seu filho sempre tentou te contar, mas tinha medo da sua reação.
- Calma Matt, eu posso explicar, vamos sentar e conversar numa boa. - Ele vem em minha direção, agora preocupado. Mas não adianta, eu me afasto, dou a volta no sofá, eu preciso a todo custo falar o que sinto.
- Calma uma merda, como pode explicar, você provavelmente sempre soube da minha orientação sexual e mesmo assim se manteve calado, mesmo assim tentou empurrar uma noiva para mim, mesmo assim me forçou a viver escondido, do mesmo jeito que você! - Ele também começa a chorar.
Scott desce as escadas. Estava no meu quarto esse tempo todo e com certeza desceu por conta da gritaria.
- Matt, calma, é seu pai, vamos sentar e conversar numa boa. - Ele tenta me abraçar para me acalmar, mas eu o afasto. Eu preciso botar pra fora tudo o que sinto.
- O pior é que você era meu herói, você era o homem que eu mais amava no mundo, mais respeitava, VOCÊ É A DECEPÇÃO DA HUMANIDADE!!!
- Filho, eu sei que você está bravo, deixa eu explicar. - Ele se aproxima e novamente eu me afasto. Scott tenta me abraçar e desta vez eu permito, agora estamos sentados no sofá e meu pai é o único que está de pé. Limpo as lágrimas com a manga da camiseta e respiro fundo. - Explica, explica o motivo de ter escondido isso de mim.
- Eu sempre soube que gostava de garotos tanto quanto gostava de garotas, aí conheci sua mãe e instantaneamente me apaixonei por ela. Meses depois ela estava grávida. A família dela a rejeitou, então ela veio morar com a minha família. Não demorou muito para nos casarmos e morarmos sozinhos. Depois de um tempo percebi que ela estava diferente, não estava sorridente como sempre fora. Algumas semanas depois ela foi embora, simplesmente desapareceu, deixando apenas uma carta, onde dizia para eu cuidar de você, dizia somente isso, nem mesmo explicou. - Meu pai resolve sentar-se no sofá ao lado. - Eu fiquei devastado. Achava que estava no casamento mais feliz do mundo, mas não estava. Nós vivíamos uma mentira, pois ela não era feliz. Rapidamente a notícia se espalhou pela cidade, sabe como esse povo religioso gosta de falar da vida dos outros né?
Meu telefone toca, pego e vejo que está me ligando. Carlos. Desligo e aperto a mão de Scott, ele era um verdadeiro príncipe por estar passando por tudo isso comigo.
- Continuando, a notícia se espalhou e o pastor me convidou para ir ao culto, disse que lá eu iria encontrar paz novamente. Naquela época ele era um cara bacana, um cara interessante. Não demorou muito para ele perceber que eu era do lado colorido da vida, e quando percebeu, tratou logo de dar em cima de mim. Eu não sabia como lidar com aquilo, estava muito vulnerável e acabei cedendo ás investidas. Quando percebi, estava tendo um rolo com um cara casado, ainda por cima pastor. Eu realmente estava no fundo do poço. Aí resolvi me afastar dele. Ele me deixou em paz por um tempo, depois voltou a dar em cima de mim, eu recusei e novamente tentei me afastar, mas ele me ameaçou, disse que contaria para todo mundo que eu estava dando em cima dele, e ele por ser o pastor da cidade tinha todos em sua mão. - Ele faz uma pausa. Passa as mãos sobre o rosto e prossegue. - Aí ficávamos nos encontrando ás escondidas e depois de um tempo ele me largou, acho que se cansou de mim como sua mãe. Você já estava ficando grande e sabido, e eu percebi que você não era aquele garoto "tradicional" sabe? - Os olhos dele brilham pela lembrança. - Acho que percebi que você era gay antes mesmo de você saber, eu fiquei super feliz, mas tive medo de você sofrer tudo o que eu havia sofrido, então fui te empurrando meninas e coisas hétero, digamos assim.
Eu não acreditava. Desabei em lágrimas, desabei mesmo. Mesmo que de uma forma babaca, meu pai estava tentando me proteger. Esse tempo todo ele estava tentando proteger a mim e eu fui tão idiota e insensível.
- Desculpe me intrometer, mas por que o senhor estava na igreja esses dias? não seria mais sensato se manter afastado do pastor e de toda essa corja? - Perguntou Scott. Se eu não estivesse sentindo sua mão pousada sobre a minha eu nem teria notado sua presença, minha cabeça estava cheia de pensamentos. Estava um verdadeiro caos.
- Sim, e fiz isso por um tempo, mas quanto mais eu me afastava mais ele tentava se aproximar.
- Mas isso não explica porque o senhor pagou pro pastor "curar" o Matthew. - Scott havia cruzado os braços, a expressão dele mostrava que ele ainda estava desconfiado de algo. - Agora a pouco na igreja, parecia que o senhor não estava tentando afastar o pastor.
Verdade, com essa história toda de bissexualidade e chantagem, eu havia me esquecido que meu pai e o pastor estavam bolando algo sujo juntos.
- Bom, eu estava tentando marcar um encontro com o pastor, algo íntimo, e assim ele cairia na minha armadilha e acabaria com a chantagem. Eu estava tentando armar para o pastor.
- Eu preciso de tempo para absorver essa história. Scott deixou eu passar uns dias na casa dele, acho que vai ser bom. - Levanto-me e pego a mala de viagem que eu havia preparado e escondido atrás do balcão da cozinha. - Não sei o que estou sentindo agora e não quero ser precipitado. Preciso analisar essa história toda. E não sei quando volto para casa.
Pego a mão de Scott o juntos caminhamos até a porta. Olho uma ultima vez para trás e vejo meu pai derramar algumas lágrimas. Não sei se devo acreditar nisso tudo, parece loucura. Preciso de tempo para pensar.
- Você está bem? Sei que é meio idiota perguntar isso, mas não sou o melhor em lidar com esse tipo de situação. Sinto muito. - Scott me abraça forte.
- Só preciso deitar e, não sei, talvez dormir e acordar, isso poderia ser um sonho maluco. - Não largo ele. Não quero ele longe de mim. - Obrigado, obrigado mesmo por estar passando por tudo isso comigo.
- Vamos, vou preparar um chá para você enquanto descansa e pensa. - Damos um selinho e finalmente vamos á sua casa.
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Aos Olhos De Megan e Matthew
Teen FictionUm casal de amigos, moradores de Faith City, acostumados com uma vida pacata logo se vêem com um estranho pensamento em relação à vida. Agora juntos vão embarcar para uma grande aventura atrás da verdade, o que os aguarda?, descubra aqui.