#04 - Barco

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Era mais uma vez o aniversário dele, não o aniversário de sua morte, mas de seu nascimento. Sua mãe já não sentia tanta a falta dele como ela sentia, o novo casamento apressado fizera um bom trabalho em secar as lágrimas e torná-las sorrisos. Danielle estava feliz por ela, mas o aperto em seu peito ainda era o mesmo todo ano. Era como reviver aquele instante outra vez, como se fosse a primeira.

Seus braços estavam cansados de remar até o centro do lago e o sol quente lhe arrancava água pelos poros. Sua blusa estava encharcada e as bochechas ardiam. Arrependia-se de não ter trazido um chapéu, seu pai sempre trouxera um chapéu.

A primeira lágrima escorreu. A gota d'Água correu por seu rosto parando em sua orelha, se perguntava se algum dia pararia de sentir falta dele.

Levantou os pés sentindo a brisa que balançava o barco, seu pai sempre adorara essa brisa, dizia que o balanço era perfeito para sua siesta. Naquela época Danielle não apreciara as palavras revestidas do sutil sotaque espanhol. Na verdade, sempre achara que pescar era a atividade mais chata que existia no planeta terra, achava que o silêncio, o balanço, a brisa, tudo era monótono, sem ação alguma. Seu pai poucas vezes tivera a sorte de pegar um peixe, e ainda assim, a emoção de puxar a corda durava muito pouco.

Todo ano era a mesma coisa, a mesma chatisse desde que tinha 3 anos. Naquele instante sentia falta dessa chatisse, desejava poder ter apreciado mais aqueles breves instantes que pareciam nunca terminar, mas, que agora, duravam segundos em sua lembrança.

Ressentia que ele não tivesse lutado mais, que assim como os peixes que pescava, não tivesse lutado contra o anzol de sua morte.

Mas não houve muito o que fazer, seu pai nunca fora o guerreiro. Ele pescava, tinha a paciência de mil mestres budistas, acreditava que a vida tinha seu propósito, mesmo que esse propósito terminasse em uma cama de hospital com seu corpo tomado pelo câncer.

Ela queria poder abraçá-lo outra vez, pedir desculpas por sua impaciência, tirar suas reclamações e adicionar um sorriso, parar de perguntar a que horas iriam embora.

Mas era tarde demais, a terra já o devorava, o predador virou a presa. Outra lágrima escorreu. Tudo que tinha agora eram aquelas lembranças que a cada dia parecia se apagar.

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