Capítulo 9

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Quando Will e Chase chegam ao campo de futebol, encontram Thomas e eu deitados nas
arquibancadas, olhando para o céu. O dia está ensolarado, agradável e quente. A Mãe
Natureza não chora por Mike Andover. A sensação da luz é deliciosa em minha cabeça latejante.
— Meu Deus — um deles diz, e segue-se todo um conjunto de exclamações inúteis
que não vale a pena repetir. A longa série finalmente termina com: — Ele está mesmo  vivo.
— Não graças a vocês, seus escrotos. — Eu me sento. Thomas também, mas fica
ligeiramente encolhido. Esses imbecis devem ter zoado demais com ele.
—Ei —Will revida. —Nós não fizemos nada com você, está entendendo?
— Vê se trata de manter essa porra de boca fechada — Chase acrescenta, apontando
um dedo para mim. Por um minuto, não sei o que dizer. Não esperava que eles viessem
tentar me manter quieto.
Bato a mão no joelho do meu jeans, coberto de pó da lateral da arquibancada, onde
eu estava encostado.
— Vocês não tentaram fazer nada comigo — digo, concordando. — Vocês me
levaram até a casa porque queriam me assustar. Não sabiam que o seu amigo ia acabar
rasgado ao meio e estripado. — Isso foi cruel, eu admito. Chase fica pálido de imediato.
Os últimos momentos de Mike estão passando diante de seus olhos. Por um segundo,
acho que peguei muito pesado, mas minha cabeça latejante logo me lembra de que eles
tentaram me matar.
Em pé ao lado deles, mas um degrau abaixo na arquibancada, Carmel envolve o
corpo com os braços e desvia o olhar. Talvez eu não devesse estar tão bravo. Mas espera
aí, qual é a dela? Claro que eu deveria estar bravo. Não estou feliz com o que aconteceu com Mike. Eu nunca teria deixado aquilo acontecer se eles não tivessem me inutilizado
com uma paulada na cabeça.
— O que nós vamos falar para as pessoas sobre o Mike? — ela questiona. — Vão
fazer perguntas. Todos viram que ele saiu da festa coma gente.
—Não podemos falar a verdade—Will diz, melancólico.
— Qual é a verdade? — pergunta Carmel. — O que aconteceu naquela casa? Você
acha que eu devo mesmo acreditar que o Mike foi assassinado por um fantasma? Cas...
Eu a encaro.
—Eu vi.
—Eu também—Chase acrescenta, parecendo prestes a vomitar.
Ela sacode a cabeça.
— Isso não é real. O Cas está vivo. O Mike também. É só uma brincadeira de mau
gosto que vocês todos inventaram para se vingar de mim por terminar com ele.
—Não seja tão egocêntrica —diz Will. —Eu vi os braços dela saindo pela janela. Vi
quando ela o puxou para dentro. Ouvi alguém gritar. E depois vi a silhueta do Mike
partida em dois. — Ele olha para mim. — O que foi aquilo? O que estava vivendo
naquela casa?
—Era um vampiro, cara—Chase gagueja.
Idiota. Eu o ignoro por completo.
—Nada estava vivendo naquela casa. O Mike foi morto por Anna Korlov.
—Não, cara, de jeito nenhum—diz Chase, cada vez mais em pânico, mas não tenho
tempo para suas crises de negação. Felizmente, nem Will, que o manda calar a boca.
— Vamos dizer à polícia que dirigimos por aí durante um tempo, depois o Mike
ficou irritado por causa da Carmel e do Cas e saiu do carro. Nenhum de nós conseguiu
convencer o cara a ficar. Ele disse que ia voltar para casa andando e, como não era tão
longe, não ficamos preocupados. Quando ele não apareceu na escola no dia seguinte,
achamos que era ressaca. —Will está sério. Ele tem a mente rápida, mesmo quando não
quer. — Vamos ter que aguentar alguns dias, ou semanas, de grupos de busca. Eles vão
nos fazer perguntas. E depois vão desistir.
Will está olhando para mim. Por mais que Mike fosse um imbecil, era amigo dele, e
agora Will Rosenberg está desejando que eu desapareça. Se não houvesse ninguém
olhando, era capaz até de ele tentar algum truque, tipo bater os calcanhares três vezes ou  algo assim.
E talvez ele esteja certo. Talvez seja minha culpa. Eu poderia ter encontrado outro modo de chegar até Anna. Mas que se foda. Mike Andover golpeou minha cabeça com
uma tábua e me jogou dentro de uma casa abandonada, tudo porque eu conversei com
sua ex-namorada. Ele não merecia ser partido ao meio, mas estava pedindo pelo menos
um bom chute no saco.
Chase está segurando a cabeça com as mãos, falando consigo mesmo sobre a
confusão que é tudo isso, que pesadelo vai ser mentir para a polícia. É mais fácil para ele
focar no aspecto não sobrenatural do problema. É mais fácil para a maioria das pessoas.
É isso que permite que coisas como Anna permaneçam em segredo por tanto tempo.
Will dá um empurrão no ombro dele.
— O que vamos fazer com ela? — pergunta. Por um instante, acho que ele está
falando de Carmel.
— Você não pode fazer nada com ela — diz Thomas, entendendo antes de mim e
falando pela primeira vez no que parecem décadas. —Ela não é para o seu bico.
—Ela matou o meu melhor amigo! —Will revida. —E o que eu devo fazer? Nada?
— É — responde Thomas, acompanhando o monossílabo de um dar de ombros e
um sorrisinho cínico que vão lhe render um soco na cara.
—Mas nós precisamos fazer alguma coisa.
Olho para Carmel. Seus olhos estão arregalados e tristes, os cabelos loiros caídos em
feixes nas laterais do rosto. Provavelmente. isso é o mais emo que ela já pareceu.
—Se ela for real —Carmel continua —, acho que devemos fazer alguma coisa. Não
podemos deixar que ela continue matando pessoas.
—Não vamos deixar —Thomas lhe diz, em um tom tranquilizador. Tenho vontade
de jogá-lo de cima das arquibancadas. Será que ele não ouviu quando eu falei "agora não
é hora"?
— Escutem — digo —, nós não vamos entrar todos em uma van verde e sair atrás
dela coma ajuda dos Harlem Globetrotters, como num filme do Scooby-Doo. Qualquer
um que voltar para aquela casa está morto. E, a menos que vocês queiram acabar
cortados ao meio e olhando para uma pilha das suas próprias tripas no chão, é melhor
ficarem longe. —Não quero ser tão duro com eles, mas isso é um desastre. Alguém que
eu envolvi na história está morto, e agora todos esses outros amadores querem se juntar
a ele. Não acredito na merda que eu fiz. Consegui complicar tudo em um piscar de olhos.
—Eu vou voltar lá—diz Will. —Preciso fazer alguma coisa.
— Eu vou com você — Carmel responde e me lança um olhar que parece estar me
desafiando a tentar detê-la. Ela obviamente esqueceu que, há menos de vinte e quatro horas, eu estava olhando para um rosto morto entrecortado de veias escuras. Não vou
me impressionar com sua cara de brava.
—Nenhum de vocês vai a lugar nenhum—digo, mas surpreendo a mim mesmo em
seguida. — Não sem estarem preparados. — Dou uma olhada para Thomas, que está
ligeiramente boquiaberto. — O Thomas tem um avô. É um cara espiritual. Morfran
Starling. Ele sabe sobre Anna. Precisamos falar com ele primeiro, se quisermos tomar
alguma atitude. —Dou um soquinho no ombro de Thomas, e ele tenta compor de novo
uma expressão normal no rosto.
— E como se mata algo assim? — pergunta Chase. — Enfiando uma estaca nocoração?
Gostaria de mencionar mais uma vez que Anna não é um vampiro, mas vou esperar
até que ele sugira balas de prata para jogá-lo de cima das arquibancadas.
—Não seja burro —Thomas zomba. —Ela já está morta. Não tem como matar um
morto. Dá para expulsar ou algo assim. Meu avô já fez isso uma ou duas vezes. Ele
conhece um grande feitiço, com velas, ervas, essas coisas. — Thomas e eu nos
entreolhamos. O garoto realmente sabe ser útil de vez em quando. —Vou levar vocês até
ele. Hoje à noite, se quiserem.
Will olha para Thomas, depois para mim, depois para Thomas outra vez. A cara de
Chase deixa claro que ele gostaria de não ter de fingir ser um valentão boçal o tempo
todo, mas, paciência, essa foi a cama que ele fez para si mesmo. Carmel só me observa.
—Está bem—Will diz finalmente. —Encontre a gente depois da escola.
— Eu não posso — digo depressa. — Compromisso com a minha mãe. Mas posso
ir até a loja mais tarde.
Todos descem as arquibancadas desajeitadamente — que é o único jeito de descer
arquibancadas. Thomas sorri enquanto eles se afastam.
—Bom, hein? Quem disse que eu não tenho poderes telepáticos?
— Provavelmente é só intuição feminina — respondo. — Só garanta que você e o
velho Morfran sejam bem convincentes na enrolação.
—Onde você vai estar? —ele pergunta, mas eu não respondo.
Ele sabe para onde vou. Vou estar com Anna.

Anna Vestida de SangueOnde histórias criam vida. Descubra agora