Né Palhaço?

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A viagem até agora estava sendo resumida em abraços e choros. Meus pais super emocionados revendo tudo e todos novamente depois de mais de 17 anos. Tinha parente ali de todo lugar do Brasil. A atração principal, claro, que tinha que ser a filha coreana que ninguém nunca viu. Me beijavam três vezes de uma vez, por que era pra dar sorte, tias, tios e primos não hesitavam em abraçar e apertar, perguntando como iam os namoradinhos. Algumas primas mais velhas perguntavam "em particular" se a fama dos coreanos e seu pinto pequeno era realmente verdade. No meio de tudo aquilo eu era a gótica das trevas ao cubo. Acho que na Coreia eu sempre seria muito brasileira e no Brasil eu sempre seria muito coreana.

Apesar de tudo, conhecer meus avós era realmente muito legal. Tipo, agora eu tinha avós de verdade, pela primeira vez. O lado ruim é que a mãe do meu pai estava realmente muito doente e ver ele de novo acabou abalando um pouco seu quadro. Ninguém tocava muito no assunto, mas pela cara do meu pai a família não estava mesmo muito otimista.

Nós ficamos na casa do irmão do meu pai nas primeiras semanas, e tudo estava sendo uma bagunça de pessoas e lugares estranhos. Todo mundo se oferecendo para ajudar a coreana bonitinha que não conhecia nada do Brasil.

No meio daquilo tudo eu trocava mensagens com Park Jimin. No começo era todo dia, mesmo que o assunto não rendesse nada, mas após duas semanas as mensagens passaram a se limitar em um "bom dia", "boa noite" ou um "espero que esteja tudo bem". O silêncio tenebroso se instalando entre nós dois de novo e pelo celular parecia que a distancia de um oceano inteiro se duplicava. Eu não entendia mais nada. Checava suas redes sociais como uma boa aprendiz de stalker e me martirizava por todo aquele constrangimento que se instalou entre nós dois e não ia mais embora. Nada de conversas longas ao telefone, nada de skype, nada de facetime, nada de sexo por telefone. Eu sentia falta dele, mas também não esquecia aquela conversa com a songa monga.

O bom era que durante os dias eu não tinha lá muito tempo pra pensar em tudo aquilo. Era um monte de gente pra conhecer e um monte de coisas pra fazer. E hoje era mais um dia daqueles, era hora de rever um amigo de longa data dos meus pais que eu nem fiz questão de perguntar o nome. Passei o caminho inteiro com os fones de ouvido e olhando pela janela. Entediante Cecília.

Assim que chegamos e tocamos a campainha a barulheira feliz começa. Brasileiros falavam muito alto. Todo mundo se abraça, todo mundo fala "quanto tempo" e "finalmente", todo mundo quer me ver. Quando se voltam pra mim tento fazer minha melhor cara de simpática, mas quando os vejo minha cara é de surpresa. A voz do meu pai então se sobressai:

- Rafael... você cresceu ainda mais!

Depois dos devidos cumprimentos somos guiados até a sala e quando me acomodo no sofá nossos olhares se cruzam. Ele estava diferente. Tão loiro dos olhos castanhos quanto da ultima vez que o vi, mas definitivamente mais alto e bem mais definido. O que poderia acontecer no período de um ano pra aquele magrelinho criar tantos músculos? Ele não tinha mais a carinha de moleque de antes, embora ainda parecesse um bebê grandão... sei lá, acho que eu não tinha guardado tanto seus traços na minha memória e sim os momentos que dividimos juntos.

Ele sorri abertamente pra mim, me olhando com a cabeça meio inclinada. Provavelmente me analisando tanto quanto eu o analisava. Quando duas pessoas transam, elas conseguem pensar em qualquer outra coisa depois que se reencontram? A conversa podia até ser "oi, tudo bem? Como vão as coisas?" mas os pensamentos com certeza dizem "oi, e ai... lembra daquela vez que a gente foi meio sem noção e acabou transando no quarto dos meus pais?". Eu não sabia se ficava ainda mais constrangida e envergonhada, ou se ria daquela situação toda. Rafael optou pela segunda alternativa.

Tipo Ideal Perfeito - pjmOnde histórias criam vida. Descubra agora