Pequena Surpresa

13K 811 47
                                    

A chuva ricocheteava contra os vidros da janela, que ocupava toda uma parede. Por detrás da cortina branca, meus olhos captavam a bela e incrível paisagem que transmitia toda a paz que minha alma barulhenta vinha buscando.

O lago estava calmo, apenas tremulava com as gotinhas se chocando contra sua inércia. As arvores sopravam em uma brisa leve de verão, dando a impressão de que as folhas chacoalhavam com os trovões vigorosos que seguiam os raios cortando o céu. Para mim, uma eterna amante de tempestades, era o fim de tarde perfeito. Sentei-me bem ali, aos pés da parede de vidro, e me apertei dentro do edredom quentinho. Fechando os olhos, dei ouvidos apenas as gotas de chuva, que pareciam me tocar ao passo em que escorriam pela vidraça.

"A paz que busquei".

Foi para isso que sai correndo de Hollywood, afinal. Para estar longe daquela loucura e me encontrar perante a vida. Estava sozinha lá, então também posso estar sozinha aqui, em um lugar onde estarei longe de ser julgada, apunhalada, traída, usada e tantos adjetivos péssimos e negativos ligados a uma pessoa pública e famosa. O que eu era. O que deixei de ser no momento em que abandonei tudo. Produtores, dinheiro, fama, falsos amigos... Tudo para trás. Ou pelo menos era o que eu queria acreditar... Que tudo ficou para trás.

A xícara com chocolate quente ainda fumegava em meus dedos quando algo diferente tomou conta da paisagem, que já não mostrava uma tempestade forte, mas sim uma leve garoa. Estreitei os olhos através do espaço, tentando entender se aquilo estava mesmo acontecendo.

Uma criança andava sozinha pela ponte do lago, atravessando-a em passos lentos e infantis, talvez vacilantes. A ponte que corta o lago é uma propriedade particular, faz parte de minha casa, então aquela criança estava caminhando certamente em minha direção.

- Isso só pode ser brincadeira...

Tomei mais um gole do chocolate quente, esperando o momento em que algum adulto desesperado apareceria atrás da criança totalmente alucinado pelo pequeno deslize, o que nos minutos seguintes não aconteceu. A criança, de no máximo quatro anos, parecia calma e andava olhando ao redor totalmente maravilhada com as flores e o jardim imenso que ocupava a entrada da casa de verão que adquiri neste fim de mundo.

- Que diabo está acontecendo? Essa menina está molhada!

Levantei-me em uma passada rápida e afastei o edredom do meu corpo, colocando a xícara sobre um móvel. Cruzei os braços sobre o peito, contendo o impulso de correr até a menininha e tirá-la da garoa.

- Não. É impossível. Alguém vai aparecer.

Voltando para a sala, fechei as cortinas da parede de vidro e levei a xícara até a cozinha. Parada em frente a pia, vi minha imagem refletida no alumínio de uma panela. Aquela velha Norah, que desejava tanto ser mãe e esposa, estava se negando a ajudar uma pequena garotinha? Meus olhos azuis em contraste com os cabelos recém-tingidos de preto e curtos pareciam apreensivos demais perante as afirmações malucas de minha mente... Isso é absurdo! Quem deixava uma criança sozinha em uma tempestade como essa? Quem não sairia em busca no mesmo instante?

"Essa foi sua desculpa para largar sua vida de atriz, não foi? Ser mamãe, esposa... Cuidar de uma criança".

Parecia ser a voz de minha mãe ecoando em minha própria consciência.

- Droga - Em direção à sala novamente, caminhei em passos largos.

Afastei a cortina em busca do bebê e... Ela não estava mais na ponte, e sim a beira do lago. Meu coração disparou quando a intensidade da chuva aumentou e ela desceu em direção à água. Correndo, cacei as chaves e as rodei na fechadura. Mesmo de pijama, atravessei a chuva fria e desci atrás da criança, que já estava com as perninhas enfiadas dentro do lago.

Um Presente Para Norah (DEGUSTAÇÃO)Onde histórias criam vida. Descubra agora