Culpado

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- Alô, papai? Por favor, vem pra casa! Nós não conseguimos encontrar a Olivia!

Foi então que os problemas pareceram não ter saída e um grande precipício se abriu aos meus pés. A voz de Martina, minha filha mais velha, ecoava em minha mente com gravidade dobrada. O desespero ainda repercutia em meu coração, que já trazia um pouco mais de alivio.

Por sorte, um alarme falso. Por sorte minha caçula estava a salvo e dormia tranquilamente deitada sobre meu peito. Não consigo ficar longe dela por nenhum segundo desde que voltamos da casa de sua salvadora, uma mulher que se assemelhava a um anjo que caíra do céu... Em vários sentidos.

Leonora Raind.

Naquela tarde de eterno desespero abri a porta de casa e me deparei com meus filhos sentados na escada chorosos e em clima de velório.

- O que aconteceu Martina? - Questionei vendo que os demais estavam encima dela, tentando consolá-la.

- Nós estávamos brincando de esconder lá fora, pai, e a Olivia sumiu enquanto eu contava na parede. Quando fui procura-la, não encontrei. Ela sumiu! - Sua voz era de derrota. De dor. De desespero. Os olhos verdes cheios de culpa.

- Brincando de esconder lá fora? - Meu grito foi tão alto que sacudiu até os brinquedos ao redor - Mas eu não disse mil vezes que era para ficar aqui dentro? Por Deus Martina, eu contei com você!

- Não briga com ela, pai, a culpa não é dela! - Eric sai em defesa da irmã, que chora em seus braços.

- A culpa é de quem então? - Bato na parede com força e eles dão um pulo para trás. Martina segue chorando aos berros - Eu deixei você responsável por seus irmãos! Principalmente por Olivia... E olha só o que aconteceu! - Enfio os dedos no cabelo e tenho a sensação de que poderia arrancá-los da cabeça.

- A CULPA É SUA! VOCÊ NÃO DEVIA DEIXAR UMA CRIANÇA RESPONSÁVEL POR OUTRAS CRIANÇAS!

Congelei por um segundo e o ar parecia palpável. Quatro pares de olhos me encaravam como se eu fosse o lobo mau. Eric tinha razão, por isso respirei fundo e sai de lá sem dizer nada.

A culpa de tudo o que vinha acontecendo era minha. A culpa da mãe deles ter ido embora também era minha. A culpa do desaparecimento de Olivia com certeza era minha. Eu sou o adulto, o pai, o responsável por cinco crianças.

Leonora Raind me enxergou como realmente sou... Um irresponsável que carrega nos ombros o fato de ser policial. Um homem sozinho que falhou.

Coloco Olivia em minha cama ainda adormecida. Ela despertou com os berros dos irmãos quando chegamos, brincou um pouco e voltou a dormir. Martina não olhou em meus olhos desde que cheguei. Eric, Luna e Ava só choraram e não me notaram.

- Eu jurei para meu pai, quando ele foi para o céu, que seria tão bom para vocês como ele foi para mim - Olivia dormia tranquilamente, seus dedinhos seguravam meu indicador docemente em seu sono - E estou falhando, não estou? - Suspiro, deixando uma lágrima rolar em meu rosto - Mas não vai ser assim novamente. Eu juro que não vai.

Olivia, a filha que entre todos mais se parecia comigo, era a que mais sofria com a falta de atenção.

Beijei o rosto angelical e sai do quarto de fininho. Caminhei pelo corredor observando se estavam todos em suas camas. Eric estava em seu quarto azul dormindo com um livro aberto sobre seu rosto. Tirei o livro de Harry Potter de lá e ajeitei a coberta em seu corpo. Fechando a porta, sigo pelo corredor em direção ao quarto das mais novas, totalmente colorido. A cama perto da janela está vazia, assim como o berço de Olivia, e as duas, Luna e Ava, dormem juntas e abraçadas. A visão me entristece, porque certamente ficaram com medo de pegarem no sono sozinhas e eu faltei essa noite na missão de adormecê-las. Escoro o rosto contra o batente da porta e apago a luz, que ainda permanecia acesa.

Um Presente Para Norah (DEGUSTAÇÃO)Onde histórias criam vida. Descubra agora