Capítulo Extra - Irene - Sobre Mentes e Magia - Parte 01

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Aquilo tinha sido um desastre completo. Foram pegos de surpresa mesmo tendo uma ideia do que esperar. Henrique não tinha previsto todos os desdobramentos que suas ações poderiam causar. Carregava a vergonha como uma estampa no rosto, mas talvez não devesse. Navegar na mente de uma pessoa era ser convidado a um lugar desconhecido, onde qualquer coisa poderia acontecer. Ainda mais uma mente como a de Emon, roubada e despedaçada como estava.

Nada disso importou para Irene. Ela continuava caminhando a passos largos, quase deixando o garoto de pele negra e olhos azuis celestes para trás. Ele observou o longo cabelo cor de mel cascateando furioso pelas costas fortes da mulher, enquanto ela pisava duro. Teve que acelerar um pouco para emparelhar.

— Hummmm... olha... me desculpa, Irene... Eu...

— Não se chateie, garoto. Estou mais brava comigo mesma.

Henrique observou-a mais atentamente. Não era um bom observador por estar acostumado a simplesmente ler o pensamento das pessoas. Caso ousasse dar uma espiadinha que fosse no cérebro de Irene, ela notaria na hora e o afogaria. Ainda mais naquele momento. Portanto, sem opção, tentava ler seus traços. O nariz fino estava enrugado, resultado de sua respiração acelerada. Os olhos, cor de mel com vários salpicos verdes, estavam faiscando com o que parecia ser frustração. Poderia estar enganado, mas ela tentava esconder seus sentimentos. Senão, qual a necessidade de sair correndo a sua frente, sem discutirem o que tinha acontecido?

— Então... Eu deveria ter te guiado melhor lá dentro, eu... acho que não fiz um bom trabalho. Podemos tentar de novo, por isso, não fique tão zangada.

Irene diminuiu o ritmo, os pequenos saltos de seus sapatos batucando o chão a intervalos maiores, até que ela finalmente parou. Olhou no fundo dos olhos incomuns de Henrique e suspirou. Espanou algumas mechas de cabelo da frente do rosto e suas feições relaxaram um pouco. Ela até exibiu um sorriso cansado.

— Desculpe, Henrique. Acho que estou sendo infantil, não é mesmo? Vamos apenas voltar ao estabelecimento de Bardo, que tal? Lá a gente conversa melhor.

Depois de aportar em Rio Contrário para deixar uma carga querida para Irene, Toni, o Perna de Magia, havia viajado para o leste em seu navio voador até Kailotron, para deixar a Dragoa das Águas e Henrique na cidade. Na sequência, viajaria com sua irmã Ren até a Floresta Flamejante.

Assim que deixaram o navio, Irene quis seguir imediatamente até o casarão de Anturium para encontrar Emon, seu protegido em Rio Contrário. Henrique teve que interceder e pedir-lhe calma. Acabou convencendo-a a passar antes no local de trabalho de Bardo, um velho lenmenthe que havia conhecido na cidade. Lá poderiam descansar um pouco da viagem, além de se alimentarem.

Enquanto tomava café e comia um pedaço de bolo, Irene remexia-se e não conseguia parar quieta. Mal dispensou a Bardo um sorriso de simpatia, chegando perto da linha da má educação. Quando Bardo e Henrique trocaram pensamentos sobre o que acontecia, o velho pareceu entender e relaxar.

Em uma missão solicitada pela Dragoa das Águas Irene, Emon sem querer havia encontrado Next Machina, que todos achavam não passar de uma lenda. A máquina mágica se desesperou quando percebeu que o jovem teceliano Emon podia absorver seus conhecimentos, lê-los através da magia, sem esforço e sem intenção. Então, utilizando-se de seus poderes, travou a mente do rapaz, prendendo e isolando sua personalidade. Emon havia sido confundido com uma pessoa com deficiência mental e colocado na casa de repouso Anturium.

Só a união entre um lenmenthe e um mago poderia trazer a mente do tecelliano de volta. Henrique sabia disso, pois havia tentando desobstruir o caminho e libertar sua consciência, mas percebera que aquilo era obra de magia. Um leitor de mentes não possuía a capacidade de operar esse poder. Por isso uma maga habilidosa como Irene seria necessária.

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