Quem sabe,nós dois...

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A rotina de quem tem um parente com Alzeimer em casa é não só cansativa como dolorosa.
Meu avô que foi um marido carinhoso e apaixonado nos cinquenta anos em que ele e minha avó são casados,agora era agressivo e por vezes a fazia chorar com as palavras duras que gritava para ela.
E minha avó era uma rocha na maior parte do tempo mas tinha momentos em que se abatia. Ficava deprimida,sentia muito a falta do marido e também a distância da única filha a machucava mais do que ela admiti.
Eu queria não precisar trabalhar nos finais de semana. Porém o que antes eu fazia por distração hoje era uma obrigação.
Precisamos do dinheiro.
Só a aposentadoria do meu avô, não dava para sanar as dívidas. Não que passássemos necessidade, mas era caro tratar do vô em casa e ainda tentar guardar algum dinheiro para quando mante lo em casa se tornasse impossível.
As boas clínicas são obcenas de tão caras.
O apartamento em Icarai é próprio, mas o condomínio é exorbitante e eu até tentei convencer a vovó de nos mudarmos,mas isso a deixou tão nervosa,que a pressão subiu.
Eles moraram nesse apartamento desde que se casaram. A vizinhança é quase uma extensão da família deles. Minha avó conhece os comerciantes da região pelo nome. Não é justo que eu a faça ter mais um desgosto.
Eu desconversei e não passo mais minhas preocupações para ela.
Deus sabe que minha avó já tem lidado com a cota de decepções que essa vida reservou para ela,não vou aumentar a lista de jeito nenhum.
Então me desdobro entre o trabalho,o cuidado com eles,a limpeza do apartamento.
No tempo livre que tenho filtro meus problemas lendo romances, assistindo algum filme divertido na tv, que me tire algumas horas da realidade complicada que é minha vida.
Fora alguns namoricos na adolescência, não tenho uma vida amorosa movimentada.
Admirar o moreno lindo nos meus finais de semana era o ponto alto da semana para mim. Aquela admiração unilateral que me fazia fantasiar e suspirar pelos cantos,mas que eu sabia que não levaria a nada.
Só que teve o beijo.
O beijo que mudou tudo.
Ainda é difícil para mim acreditar que ele realmente me beijou.
E o que falar daquela mensagem que ele mandou?
O beijo e a mensagem me deram esperança.
Esperança de que talvez haja um nós. Eu e o moreno lindo.
Tudo vai depender do que ele me dirá na quinta.
E essa questão ficou na minha cabeça a semana toda,até que as sete e meia da noite eu entrei no posto Graal,em Resende.
Estacionei,mas não vi sinal da moto do Rodrigo.
Estava ventando muito e eu fiquei na dúvida se entrava ou não no restaurante do posto.
Mesmo pela jaqueta de couro, o frio arrepiava minha pele e meu cabelo mesmo preso na trança, estava com os fios soltos e voando na frente do meu rosto,me virei para esperar por ele lá dentro e ao ouvir a buzina parei.
Olhei pelo ombro e vi a Harley preta dele.
Se eu fosse artista queria poder eternizar em aquarela aquela beleza.
Ele exalava poder,parecendo um badboy com a jaqueta de couro,postura de dono do mundo.
Me voltei e assisti ele estacionar ao lado da minha moto.
Quando ele tirou o capacete, o sorriso estava lá estampado no rosto.
Aquele sorriso era a minha perdição. Me deixava feito boba,sem reação a não ser a de sorrir também.
Ele saiu da moto,veio caminhando com as mãos no bolso da calça jeans escura.
Me olhando o tempo inteiro.
Pertinho de mim senti seu cheiro, que me dava vontade de enterrar meu rosto em seu pescoço.

__Oi.

Ele falou,meio sem jeito.

__Oi.

Eu respondi baixinho.
Derrepente me senti envergonhada.
Pela nossa última conversa. Sentia que também devia um pedido de desculpas a ele.
Mas primeiro precisava fazer a pergunta que iria ditar nosso relacionamento.

__Rodrigo.

Comecei a falar mas ele me interrompeu falando ao mesmo tempo.

__Juliana.

Nós sorrimos e ele disse para eu falar primeiro. Eu declinei,pedi que ele começasse.

__Vamos sair desse vento. Vem,entra comigo.

Ele estendeu a mão para mim,me olhando como se meu próximo movimento fosse muito importante.
E talvez fosse mesmo.
Mas eu não poderia entrar com ele,me sentar e conversar sem antes fazer a pergunta que me assombrava.

__Eu sei que você me chamou pra conversar,Rodrigo. Mas antes eu preciso te perguntar uma coisa. E eu peço que você seja sincero porque ai então,quem sabe,nós dois...

Fui perdendo a coragem e me calei.
Ele cruzou os braços. Se aproximou um pouco mais de mim. Eu nem precisaria esticar meus braços para toca lo.

__Eu não mentirei para você,Juliana. Nunca. Pode acreditar em mim quando digo isso. Fica a vontade, me pergunta o que quiser.

Olhando nos olhos negros dele eu não enxergava nada além de sinceridade.
Os fios do cabelo dele também balançavam com o vento. Ele passou a mão na cabeça,tentando controla los.
Quando percebi já tinha aberto a minha boca e feito a pergunta que eu temia a resposta para ele.

__Porque você me beijou se tem namorada?

Ele abriu a boca de surpresa. E franziu a testa,aproximando os olhos.

__É por isso que naquela noite eu virei cafajeste e mentiroso né?

Concordei com a cabeça e abracei meu corpo com os braços.

__E porque você acha que eu tenho namorada?

__A pergunta é simples, Rodrigo. Você tem namorada?

__Não, Juliana!- ele respondeu me olhando nos olhos.-Eu não namoro desde o ginásio. Não tem nenhuma mulher na minha vida a quem eu deva fidelidade.

Fiquei confusa.
Foi a minha vez de franzir os olhos.

__Não tenho porque mentir para você. E nem sei o que te deu essa impressão,sério.

Ele continou a falar mas eu interrompi:

__Eu vi algumas fotos suas no seu instagram. -falei baixinho. -Com uma menina. E não foi uma ou duas mas várias! E sei lá. Supus que ela era sua namorada.

__Você entrou na minha conta e deduziu em cima de algumas fotos que eu era comprometido.

__Tinha também as ligações que você faz nos fins de semana a noite. Você fala baixinho e eu...-me calei.Estava tão envergonhada que não consegui nem completar a frase.-Te devo um pedido de desculpas!

Dei um sorrisinho bem sem graça. Eu queria colocar minha cabeça em um buraco como as avestruzes fazem.
Ele me olhava sério,então abriu um sorriso que iluminou toda sua expressão.

__Se você deixar eu te pagar um chocolate quente, tá desculpada.



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