Choro e lágrimas

429 21 9
                                    

Era ainda cedo,talvez cinco da manhã ou um pouco mais.
O inverno na serra fazia algumas manhãs serem cinzas e essa era uma dessas típicas manhãs.
O frio e o cinza, predominavam lá fora e dentro do quarto,o oposto acontecia.
Se desse para enxergar as emoções em cores,os tons dominantes seriam quentes.
Meu corpo junto ao do Rodrigo,a pele dele morena,a minha clarinha. Éramos combustão.
Quando sentia o corpo dele chamar pelo meu,todo o resto ficava perdido no tempo.
Beijo leve,amaciado pelo sono.
Carinho nos meus cabelos,arranhões de leve nas costas dele.
Carinho que se tornava carícia, preliminares que começavam sem intenção de ser.
E que são.
E nosso bom dia sacudia os meus sentidos.

__Bom dia.

Ele murmurou no meu ouvido,com o corpo ainda latejando do gozo sentido há instantes atrás.

__Que mal educada eu sou.
Uso teu corpo,deixo você usar o meu e nem te dou bom dia!

Beijei a curva do pescoço dele.

__Achei que você era mais educada,arrumadinha.

Ele brincou,saindo de dentro de mim.

__ E só para você saber,pode usar meu corpo quando quiser.

E me beijou a boca.

Esse era nosso terceiro final de semana juntos.
Estávamos inteirando o primeiro mês juntos desde o beijo na varanda, mês esse que não poderia ter sido melhor.
Não repetimos a loucura de nos vermos todas as noites como naquela primeira semana juntos,mas nos finais de semana éramos inseparáveis.
Me levantei e peguei o celular que estava próximo a cama.
Tinha uma mensagem do Rodrigo.

__Por que você me mandou uma mensagem?

Estranhei afinal ontem,sábado havíamos ficado juntos o dia e noite inteiros.
Ele não disse nada.
Ficou me olhando com aquele jeito faceiro que me fazia a cada dia mais e mais apaixonada por ele.
Li a mensagem.

Rodrigo:
Sei que você as vezes levanta primeiro e eu não queria correr o risco de não ser o primeiro a te dar feliz aniversário.
Feliz aniversário,minha motoqueira!

Ob:Mesmo você fazendo segredo sobre a data eu descobri.
E quero comemorar com você.
Muito.
Talvez quando você ler essa mensagem a gente já tenha começado as comemorações.
Tomara!
Nunca tenho o suficiente de você.

Quando levantei os olhos da tela,ele ja estava em pé na minha frente.

__Feliz aniversário,Ju.

Ele me beijou de levinho e me ofereceu um embrulho.
Ele comprou um presente para mim?

__Que esse seu ano que se inicia para você seja incrível.

Abri e era um livro de memórias de um motoqueiro, que fez a viagem que eu tinha contado para ele que queria fazer pela América.

Eu sorri agradecendo dentro do abraço quente do Rodrigo,mas logo me desvencilhei e fui para o banheiro.
No chuveiro deixei as lágrimas caírem livres.
Por um instante esqueci que dia era hoje e acordei feliz.
Escutei batidas na porta do banheiro.
Era o Rodrigo, pedindo para eu abrir para ele entrar.
Sai do box e abri a porta.
Voltei para o chuveiro e pus o rosto na água para que ele não percebesse que eu estava chorando.
Rodrigo tagarelava sobre qualquer coisa entrando no box, sem perceber que eu estava com a cabeça em outro lugar.

__Ei,Ju. Quer se afogar?

Ele brincou passando o sabão nas minhas costas. Baixei a cabeça e fiz sinal de negativo com a mesma.
Eu ainda não conseguia falar. Estava segurando o choro.

__Você não tá bem. O que aconteceu? -ele me virou e viu minhas lágrimas. -Ei! Por que você esta chorando?

Ele passava a mão no meu rosto,afastando as lágrimas que insistiam em descer.
Querendo me consolar, abraçou meu corpo e fazia aqueles barulhos que a gente faz quando quer que uma criança pare de chorar.
Em mim sempre teve o efeito contrário.
Nós dois tomamos banho calados, eu ainda sem conseguir falar.
Na hora em que eu começava a tentar falar, o choro queria recomeçar.
Quando já estávamos no nosso quarto,eu secava o cabelo de pé em frente ao espelho do armário e ele me olhava confuso,sentado na cama.
Não conseguia entender o que havia me deixado tão triste e estava começando a achar que poderia ter sido ele o causador do choro.
Comecei a falar.

__Eu não sei se te contei que minha mãe morreu horas depois do meu nascimento.

Pelo espelho assisti seu rosto mostrar a pena da qual eu já era velha conhecida.
Ele negou com a cabeça.

__Odeio a data de hoje e tudo que ela implica.
Me chateia ter sido uma criança boba que esperava do pai um abraço,um beijo ou qualquer carinho no dia do aniversário.
Meu pai não fazia questão nenhuma de esconder que o dia do meu nascimento,lembrava a ele que por decorrência de mim,ele havia perdido a esposa.
Hoje compreendo que meu pai é um homem que não soube lidar com a perda.
Machucou com a indiferença uma criança que não tinha culpa.
Acho que todo mundo tem um trauma né?
Acho que é um bloqueio,talvez.
Ele nunca fez festa de aniversário para mim.
Nunca.
Meus avós,talvez lá pelos meus cinco ou seis anos que começaram a fazer um bolo.Sempre na primeira visita após meu aniversário, quando eu chegava na casa deles tinha um bolinho esperando por mim.
Mas nunca no dia. Não. No dia ele fazia questão que não houvesse nada além da lembrança de um dia infeliz.

__Seus avós são anjos na sua vida.

Rodrigo já sabia sobre meus laços com meus avós.
Eu sorri lembrando deles.

__E a família da sua mãe?

__Não conheço ninguém da família da minha mãe.
Eles ficaram na Alemanha.
Nunca tentaram contato e eu não sei nada sobre eles.
Também não quis saber.
Só sinto por não conhecer nada da minha mãe.
Tudo que tenho é uma única foto,que meu pai guardava em uma caixa de documentos no armário.
Ela parecia ser jovem demais.
Talvez nem tivesse os meus vinte e quatro anos,quando eu nasci. E ela morreu.

Precisei parar de falar,porque eu estava chorando novamente.
Ele me abraçou por trás e ficou ali comigo. Me envolvendo com o corpo.

__Ela era linda,sabia?-eu tinha necessidade de continuar a falar sobre a mulher que eu não pude chamar de mãe. -Ela tinha os cabelos claros,corpo magro,sorriso aberto. Eu acho que me pareço com ela.

__Certeza que ela devia ser linda.Um dia me mostre a foto,tá.
Ele beijou minha cabeça.

Quando Yanna e Bruno se juntaram a nós no café da manhã, recebi o carinho e as felicitações dos dois. E achei fofo o Rodrigo preocupado se a reação deles iria desencadear em mim alguma tristeza.
Durante o dia,as obrigações com as crianças me distrairam e como sempre o dia correu.
No estacionamento, montada na minha moto e o Rodrigo na dele,não pensei muito antes de falar ou iria acabar desistindo.

__Deve ter um bolo para mim,lá em casa. E se você não tiver nenhum compromisso e quiser.

__Eu quero!

Ele me interrompeu todo sorrisos.

Amor No Fim De SemanaOnde histórias criam vida. Descubra agora