Finite Encantatem

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Depois de tantos combates

o anjo bom matou o anjo mau

e jogou seu corpo no rio.¹

Com o fim do ano letivo, e a instalação oficial de Voldemort em minha casa, tudo parecia ter ficado num passado extremamente distante. O beijo, o toque, a cumplicidade momentânea, não passavam de um borrão em minha memória. A guerra havia começado e eu deveria escolher um lado, ciente de que não havia espaço para romances juvenis, tampouco um amor proibido que poderia me levar em direção a morte.

Na mesa de reuniões todos os comensais cochichavam, enquanto Voldemort não chegava. A contragosto eu estava ali, mas o desejo de aparatar para o mais longe possível era visível, não obstante o esforço empenhado para disfarça-lo.

Por muitos anos eu havia acompanhado os passos daquele que me criara para ser o defensor da linhagem, perpetuador da pureza: Meu pai. Desejara por muitos anos agradar e surpreende-lo, me tornando aquele que ajudaria na limpeza do mundo bruxo. No entanto, já não queria mais partilhar da mesma posição que Lucius Malfoy. Ser um comensal era o pior castigo que eu poderia ter recebido e, às vezes, eu confesso, da janela do meu quarto, olhava para as estrelas e perguntava, a quem quer que fosse, se por acaso eu estava sendo punido pelas vezes em que desejei a morte de Hermione Granger. Nunca recebi uma resposta.

Ao cair da tarde, caminhava pelos corredores estreitos que me guiaram até a sala dos quadros. Era um lugar grande e bastante gelado, com janelas altas e cortinas finas, facilmente chacoalhadas pelos ventos. Os quadros dos meus antepassados — perfeitamente enfileirados — estavam salpicados de sangue. Voldemort havia alimentado Nagini ali. Alguns elfos domésticos da Mansão, trouxas e nascidos trouxas, compuseram o banquete da cobra asquerosa.

Desde os oito anos de idade a sala dos quadros tinha sido meu lugar preferido na casa, depois do meu quarto. O ponto alto das minhas férias era quando eu enfrentava os grandes lances de escada com entusiasmo e me trancava na sala tranquila, sentindo o perfume do mogno, oriundo dos móveis antigos e magicamente conservados.

Eu sonhava com o dia em que seria bom o suficiente para estar ali, entre os mais nobres da minha linhagem. Na época não fazia ideia do que queria, apenas reproduzia o discurso de meu pai e me sentia muito importante utilizando as palavras dele.

O frescor cítrico da colônia que minha mãe escolhia para o dia-a-dia também passeava pela atmosfera que, para mim, era tão aconchegante quanto a voz da mulher que me dera a vida. Provavelmente ela também passava um tempo considerável ali, admirando a família Malfoy, lendo algum livro ou escrevendo cartas para mim, as quais chegavam ao meu dormitório em Hogwarts todas as sextas feiras pela manhã.

Todavia, nada restara daquela sala, do que um dia já fora. O cheiro de sangue seco, acumulado nas frestas das janelas e arestas das paredes me enojava de tal forma, que parei de entrar ali, só o fazendo quando ordenado, para limpar a sujeira que aquela cobra dos infernos fazia. Eu havia me tornado a empregadinha particular de Voldemort, depois do meu fracasso na Torre de Astronomia. Uma dose especial de humilhação que me deixava injuriado, mas não me atrevia a contrariar o Lorde, não quando ele estava tão perto da minha família. Para evitar as tarefas degradantes, comecei a sair de casa cinco vezes ao dia. Algumas vezes aparecia para jantar, outras, ficava em qualquer outro lugar, sempre bem longe de Wiltshire. Quando não conseguia escapar dos serviços, me aventurava pela Londres Trouxa, sob ordem de encontrar algum trouxa desavisado, para servir de presa à Nagini. Antes de realizar estas empreitadas sempre enviava uma coruja para ela.

' Qual o comprimento das penas verticais da asa de uma coruja parda? E como esta medida influência no processo de transfiguração?'

D.M

Dez EncantamentosOnde histórias criam vida. Descubra agora