IV - Noturno

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* Capa: Marina Ribeiro de Castro / Nina.

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Passo no mercado Carrefour antes de ir para o buffet infantil "Arco-Íris". O lugar está lotado e demoro para encontrar uma vaga. Não posso me esquecer de colocar gasolina na saída.

Não acredito que esqueci a ração do gato.

Escolho a mais barata que encontro e decido levar uma caixa de plástico e areia para gato. A última coisa que preciso é de côco de gato no chão da kitnet. Passo quase dez minutos na fila, batendo meu pé de ansiedade. Jogo tudo no porta-malas e passo no posto de gasolina. Cinquenta reais, porque não posso me dar ao luxo de encher o tanque.

Não sei como vou conseguir alimentar essas crianças. Vou precisar de mais dinheiro.

Denise disse que entraria em contato para me informar quando eu receberia o auxílio reclusão. Espero que seja logo.

Chego no Arco-Íris cinco minutos atrasada e já sei que a dona, Glória, vai reclamar.

Com seus cabelos loiros tingidos e cílios grandes demais para serem naturais, ela costuma ser um amor. Menos, é claro, quando alguém pisa na bola.

- Você está atrasada, Helena. - Ela diz, no segundo em que coloca os olhos em mim. - A aniversariante vai chegar em quinze minutos, encha a piscina de bolinhas e refaça esse rabo de cavalo. Nunca te vi tão despenteada.

- Sim, senhora. - Respondo simplesmente, correndo para a piscina de bolinhas.

Há dois anos encontraram uma tarântula em uma piscina de bolinhas de uma lanchonete, do outro lado da cidade. Foi um processo milionário. Desde então, Glória nos faz esvaziar a piscina todo dia e enchê-la de novo antes de cada festa. Bolinha por bolinha.

O saco transparente cheio de bolinhas já foi aberto, e Marina está jogando uma por uma, com suas trancinhas ruivas balançando confome ela se abaixa.

- Até que enfim! - Ela diz ao me ver. - Achei que teria que fazer isso sozinha!

Teoricamente, hoje ela é responsável apenas pelos tobogãs, mas temos um pacto de ajuda mútua no que diz respeito à piscina.

- Desculpa! Você não tem idéia do que eu passei hoje!

- Bom, eu tive que passar o dia no hospital ortopédico com a Sophia, só para conseguir engessar um braço! - Ela diz, jogando as bolinhas com maior velocidade. - Então boa sorte tentando superar isso!

- Minha mãe foi assassinada pelo marido. - Digo, jogando as bolinhas o mais rápido que posso. - E agora eu sou a responsável legal por quatro irmãos que eu nem sabia que tinha.

Marina para imediatamente e olha para cima, para os meus olhos.

- Você está brincando, não está?

- Eu queria estar, acredite em mim.

Paro de jogar as bolinhas no segundo em que ela me abraça, tão apertado que quase posso sentir minhas costelas perfurando meus pulmões.

- Pobrezinha! - Ela praticamente grita. Não preciso olhar para saber que ela está chorando. - Sinto muito pela sua mãe!

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