VI - Intimações

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* Capa: Diana Montenegro

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O domingo voou.

Acordei somente uma vez de madrugada, com Cassandra chorando.

Depois, apenas às onze.

Cozinhei arroz o suficiente para o almoço, o jantar e o almoço de segunda feira. Cortei os vegetais, fiz mamadeiras, papinhas e passei um pano na kitnet.

Coloquei as meninas no chiqueirinho, de frente para a TV ligada, e deixei os meninos no computador. Lavei o banheiro e o resto das roupinhas que Marina me emprestara. Passei tudo o que pude, embora não tenha sido nem um terço.

Troquei fraudas e alimentei as crianças. Coloquei Andrômeda no andador e assisti, enquanto ela tentava se empurrar pela casa.

Mas, acima de tudo, traduzi. O dia todo, parando somente para trocar fraudas ou dar mamadeiras.

Mandei um e-mail para Omar, avisando que não iria na segunda feira devido à problemas familiares e coloquei as meninas para dormir.

- Eu me lembro desse cofre. - Alex disse, no segundo em que eu o puxei de debaixo do sofá.

- É mesmo? E a senha? Você sabe qual é?

- Acho que começava com zero, dois e terminava com um, mas não lembro o penúltimo. - Ele diz, mas já sei a resposta.

Dois de novembro.

Ah, mamãe.

O dia em que meus pais se casaram.

O cofre se abriu com um clic, revelando documentos, dinheiro, algumas jóias e uma câmera fotográfica.

Aleluia.

As carteiras de identidade dela e dos meninos e duas certidões de nascimento. Nada das meninas.

Mil reais em notas de cinquenta e um colar de ouro, com várias voltas. Brincos e anéis tão caros quanto, cravejados em pedras. Presentes que meu pai deu para ela. Por fim, uma aliança dourada, coberta de brilhantes. A aliança do primeiro casamento.

Por sorte, a câmera ainda tinha bateria, mas mandei Alex para o banho e Heitor para a cama, antes de ligá-la.

As fotos eram as mais surpreendentes possíveis.

Ela na maternidade, segurando um bebê de cabelos castanhos, com Alexandre e Heitor menores, sorrindo ao seu lado.

Algumas fotos com o bebê se intercalando com Alex e Heitor.

De repente, o bebê sumiu das fotos. A câmera terminava em uma foto das gêmeas na maternidade, com os meninos ao lado, como a primeira.

Por isso eles não deram nome para as gêmeas. Estavam com medo de perder outro bebê.

- O nome dela era Penélope. - Alexandre disse, sentado do meu lado.

Eu não o vi chegar. Meu rosto está molhado por que?

- O que aconteceu?

- Ela amanheceu morta um dia, do nada. Mamãe chorou muito. Igual você agora.

Ah sim. São lágrimas.

- Bem. O importante é que isso não vai acontecer com as meninas. Agora é hora de você ir para a cama, vamos.

Dormi com a aliança da minha mãe no meu dedo, quase abraçada com minha própria mão. Eu penhoraria as outras jóias, mas não essa.

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