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* Capa: Helena Schultz Bouvier / Lena.

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Meus dedos com as unhas roídas voam pelo teclado enquanto meus olhos se revezam entre as folhas em minha mesa e a tela plana do computador.

Teoricamente eu não deveria estar traduzindo durante minhas horas de estágio, mas já terminei meu serviço há quinze minutos e tenho mais dez antes de o meu turno acabar.

Preciso adiantar todas as páginas que puder para não me sobrecarregar na semana de provas do semestre.

- O Sr. Omar pediu para você deixar a segunda via do testamento do Antônio Soares na mesa dele antes de sair. - Verônica diz, olhando para as cumpridas unhas cor-de-rosa. - Acho que rosa realmente não é minha cor. O que você acha, Lena?

A resposta é óbvia. Com seus cachos cor de chocolate, pele bronzeada e olhos esverdeados, qualquer cor ficaria excelente nela. Mas Ronie insiste em jamais estar satisfeita com a própria aparência.

- Ficou realmente ótimo, mas o cinza da semana passada estava melhor. - Respondo, com sinceridade. - Vai almoçar comigo ou estou em uma missão solo?

- Vou com você, mas vou me atrasar cinco minutinhos. - Ela me responde, piscando e voltando para seu cubículo.

Eu sei exatamente qual é o motivo.

Diego e seus lindos olhos azuis.

Palavras dela, não minhas.

Ele passa com as correspondências todo dia, às oito e meia, e leva uma eternidade na mesa de Ronie, geralmente atrasando toda a minha manhã. Semana passada ela chegou a derrubar café nele, de tão distraída.

Então, no fim de todos dias, ele finge ter algo importante para entregar para nosso chefe, e passa mais dez minutos falando pelos cotovelos. Ele nem disfarça entrando na sala do Omar. Quando eles terminam de conversar ele simplesmente vai embora, esquecendo-se completamente da suposta entrega.

Acabo de traduzir mais um capítulo enquanto divago sobre o dia em que um dos dois vai finalmente tomar vergonha na cara e tomar uma atitude. Talvez eu devesse dar um empurrãozinho. Começou a se tornar incômodo depois dos primeiros seis meses.

Salvo o arquivo no Google Drive, para abri-lo em casa mais tarde, e procuro a segunda via que meu patrão pediu. Em seguida, organizo minha mesa, desligo o computador e vou até a sala de Omar entregar o documento.

- Ah, Helena! - Ele me recebe parecendo surpreso, como sempre. - Em que posso te ajudar?

Apesar dos quase sessenta anos, ele tem poucas marcas de expressão. Algumas rugas na testa e outras ao redor dos olhos, quase imperceptíveis. Também quase não há manchas em sua pele negra, reflexos. de uma vida passada em escritórios.

- A Verônica disse que o senhor precisava da segunda via do testamento do Sr. Soares. - Respondo, observando a bagunça em sua mesa.

- Ah, claro! Obrigado! Pode colocar aqui enquanto eu procuro... Onde está? Que droga! - Ele revira os papéis rapidamente, claramente insatisfeito com a bagunça em sua própria mesa. - Ah, aqui! Seu contracheque!

Eu nem lembrava que era hoje.

Ele me entrega o pedaço de papel pelo qual trabalhei nas últimas semanas. Quase mil reais. Quase o suficiente para o aluguel, comida e as contas de água, luz e internet. Ah, e o netflix, é claro.

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