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Conforme as sessões foram passando, eu me sentia razoavelmente melhor em relação aos efeitos colaterais. Eu não sabia dizer se era o meu corpo se acostumando, ou se os efeitos estavam ficando menos agressivos, mas tentei nem pensar nisso. Foquei em fazer de tudo para me sentir melhor e isso foi me ajudando bastante. Claro que haviam dias em que eu queria morrer depressa, enquanto outros eu queria aproveitar cada segundo que me restava. Eu tinha sentimentos contraditórios que se mostravam presentes devido ao meu estado psicológico e físico.

Mateus me aconselhou a fazer um acompanhamento com algum psicólogo, e sinceramente achei aquilo uma boa idéia. Talvez eu realmente estivesse precisando conversar com alguém que não fosse exatamente um conhecido que não sentisse pena assim que colocasse os olhos em mim. Ele disse que a maioria dos pacientes que passam pelo o que eu estou passando, fazem acompanhando psicológico e ficam consideravelmente melhores com si mesmos. Então decidi seguir seu conselho e ver o que ia dar.

O hospital onde eu fazia as sessões de quimioterapia me indicou a psicóloga Valentina Arantes. Ela atendia todos os tipos de casos, mas preferencialmente pacientes em câncer terminal como o meu. Disseram que ela era maravilhosa e fiquei aliviada por ter conseguido marcar um horário com ela.

Na primeira consulta com ela, eu estava extremamente nervosa e ansiosa. Eu nunca havia feito terapia na vida e o desconhecido mexia demais com minha cabeça me deixando ainda mais vulnerável. Como eu tinha os efeitos da quimioterapia, todos os meus sintomas se agravavam conforme meu estado mental. Enquanto eu aguardava na sala de espera para ser atendida por ela, eu senti enjoos, tremores e até mesmo vontade de desmaiar, mas me forcei a ser forte e enfrentar mais uma etapa que seria fundamental em minha vida.

Assim que fui anunciada e entrei em seu consultório, pude ver o quanto Valentina era simples. Seu consultório era simples como ela que não tinha uma cara de dondoca como eu esperava. Valentina se apresentou e conversou comigo como se fôssemos grandes amigas. O nervosismo foi deixado de lado e quando percebi a sessão estava praticamente no fim. Confesso que aqueles minutos em que passei com ela, abrindo meu coração, fez com que eu me sentisse melhor comigo mesma. Senti como se um peso tivesse sido arrancado de meus ombros e fiquei feliz por saber que meu travesseiro dormiria mais leve naquela noite.

Durante a consulta, eu pude dizer o que eu estava sentindo naquele exato momento. Pude dizer tudo o que eu pensei esse tempo todo desde que recebi o diagnostico e como eu queria que as coisas fossem diferentes.

Receber um diagnóstico de câncer não é nem um pouco fácil. Além de saber que você vai morrer em breve, temos que driblar a tristeza e parecer positivos para as pessoas ao redor não sentirem tanta pena de nós. Por mais que seus parentes e amigos tentem agir naturalmente, é nitidamente o oposto disso. Eles ficam cautelosos com o que irão dizer e até mesmo na hora de te abraçar. Eu finjo que não percebo coloco minha mascara de tranquilidade no rosto. Temos que fingir acreditar que em breve seremos curados e evitamos sempre tocar no assunto. Entrar em detalhes sobre o quanto estamos sofrendo nos deixa pior e mais doentes, e as pessoas ao nosso redor também.

Eu conheci diversas pessoas durante as sessões. Pessoas que passavam por conflitos internos tentando entender porquê aquilo estava acontecendo assim como eu faço até hoje. Em uma das sessões de quimioterapia, eu conheci o senhor João. Ele disse que estava enfrentando o terceiro câncer de sua vida. Ele era motivado esperançoso e por incrível que pareça era feliz.

João me contou em uma das sessões de quimioterapia, que ele fazia diversos bilhetinhos e espalhava pelo hospital oferecendo palavras de apoio a todos que precisavam. Fiquei emocionada por sua atitude nobre diante de tudo que ele estava passando. Eu não sei se seria capaz de ser tão boa quanto o senhor João.

Eu pedi que ele fizesse um bilhetinho para mim e ele me surpreendeu com uma cartinha na hora que estava embora depois de uma sessão sofrida de quimioterapia em que eu havia passado muito mal.

Querida Mariana,

Faça tudo com moderação e viva mais. Ame mais, chore mais, lamente mais. Faça o que o seu coração pede sem remorso. O seu momento é agora. Não magoe, não machuque, não torture. Todos passamos por batalhas que nem todos sabem.

Continue assim como você é! Sensível, amável, esperançosa apesar das consequências e incrível. Ser incrível nunca é demais! E jamais desista!


Com amor, João.”

Definitivamente sou uma pessoa de excessos. Falo alto e muito; amo demais, me apego fácil, tendo a confiar muito e logo, grito a minha alegria e choro sem medo das minhas tristezas. Aprendi a não segurar minhas emoções e isso me ajudou a enfrentar tudo o que tenho passado nessa nova fase.

Após receber meu diagnostico, eu passei pelas cinco fases do luto. Toda pessoa que descobre que vai morrer em breve, passa por todas as fases e eu não fui uma exceção. 


NEGAÇÃO

Eu não aceitava o fato de ter um câncer em estágio terminal. Não aceitava que aquilo era real e que realmente estava acontecendo comigo. Fingi que aquilo não era real e que não era comigo. Neguei o máximo que consegui até entrar na segunda fase.


RAIVA

Nessa fase eu senti raiva de tudo e todos ao meu redor. Eu queria culpar a todos por aquilo estar acontecendo justamente comigo. Eu chorei, xinguei, questionei e odiei estar passando por aquilo. Eu não entendia porque tinha que ser comigo se havia tanta gente ruim solta por aí. Fiquei nessa fase por um bom tempo até entrar na terceira fase.


BARGANHA

Nessa fase eu comecei a conversar comigo mesma e decidi que eu me sentiria melhor se saísse daquela situação. Eu dizia que ia ser mais amável e educada com as pessoas ao redor, mas a quem eu tentava enganar além de mim mesma? Eu estava apenas tentando ganhar tempo para aprender a lidar com aquilo até entrar na quarta fase.


DEPRESSÃO

Essa foi uma das fases mais complicadas para mim. Nessa fase eu fiquei completamente arrasada. Eu sentia dó e pena de mim mesma e não queria ter que viver nada do lado de fora da bolha de proteção que criei. Eu não queria sair de casa, ficava dias sem tomar banho e me alimentar corretamente. Eu não queria reagir quando me sentia impotente diante aquela situação. A minha fuga era chorar em minha cama até pegar no sono e fazer a mesma coisa ao acordar. Nada mudaria a realidade, então eu me entreguei a ela. Vivi por meses como uma sombra sem vontade de levantar.

Quando a depressão se tornou minha companhia, eu não consegui lutar contra.
Eu não queria ninguém perto de mim me olhando com piedade ou dizendo que sente muito. Eu sinto muito, elas não! Elas não sabem o que é saber que você vai morrer e que nada do que você planejou a vida toda irá se tornar realidade. As pessoas não sentem o que sinto e não sabem como me sinto. Eu tenho que me conformar que eu não vou crescer profissionalmente, que eu não vou me casar e ter filhos. Vê-los crescer e entrar na tão sonhada faculdade. Eu não seria ninguém mais.

Existiram momentos em que nada me tirava da solidão. Nem mesmo Mateus com suas gracinhas foi capaz de me animar e ele respeitou isso. Ele me deu o tempo que eu precisava e quando me senti novamente bem, fui até ele agradecer o apoio e ouvir suas piadas sem graça.

Por alguns meses eu vivi a base de tranquilizantes. Essa era única forma de levantar da cama durante o dia e encara a vida que me nocauteava cada vez que eu abria os olhos. 

A quimioterapia acabava comigo. Eu passava o dia inteiro enjoada e sem vontade de me levantar da cama. Mas pra que eu levantaria? Não havia motivos para levantar e lutar. No fim eu ainda morreria sem viver o resto de minha vida. Eu estava estagnada no mesmo lugar sem ter para onde correr.
Eu estava morrendo aos poucos, mas não era pelo câncer e sim pela tristeza. Era pela pena que eu sentia de mim mesma e não fazia absolutamente nada para mudar isso, Eu não queria me animar sabendo que eu não sairia dessa. Que eu estava marcada para morrer.

Com a ajuda de Mateus, minha mãe, Ju e Valentina, eu enfrentei essa fase e entrei na quinta e ultima fase.


ACEITAÇÃO

Nessa fase eu finalmente havia aceitado meu destino. Eu finalmente aceitei que tinha um câncer em fase terminal e que nada ou ninguém mudaria isso. Aceitei que todos tentavam me ajudar da melhor maneira possível e que eu aproveitaria tudo o que eu tinha direito antes de não ter mais condições de fazer nada. Eu aprendi a aceitar o pouco que a vida estava me dando e aceitei meu diagnóstico. Aceitei que aquilo estava acontecendo comigo e que eu morreria em breve. Aceitei que aquele era o fardo a ser carregado por mim e eu que eu faria isso da melhor forma possível.

Aceitei o que de fato era parte de mim: a morte.

Com Amor, MarianaOnde histórias criam vida. Descubra agora