Eu era

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 Eu não me lembro de ter acordado quando o pesadelo acabou. 

 Continuei um sono agitado. O resto dele fora sem pesadelos, porém eu não dormia bem. Algo muito longe me chamava, mas eu não ouvia. Então eu entendi que minha alma estava morando morta em um corpo vivo. 

 A fraca luz da manhã invadia o lugar quando abri os olhos. A chama da vela tinha se apagado. Logan dormia mais atrás, Arya mantinha os olhos fechados, porém eu sabia que ela já estava acordada à muito tempo. O que confirmava minhas suspeitas, eram os fones de ouvido conectados ao celular e serpenteando até seus ouvidos por entre seus cabelos. 

 Ergui os ombros, me levantando levemente zonza do fino colchão coberto por um lençol improvisado, apoiando uma das mãos na parede úmida. Eu queria chorar tudo que eu poupei, porque agora me arrependia de ter poupado. Como seria ter meus pais naquele dia? Estava frio, eles iriam me acordar mais tarde. Me chamariam com carinho e perguntariam como havia sido minhas aulas durante a semana. 

 Automaticamente me lembrei das festas de aniversário, das festas de fim de ano. Só não entendia o motivo de lembrar tanto, minha mente estava de brincadeira comigo! Eu não queria pensar, mas por que diabos eu não consigo desviar os pensamentos? Eu era tão má assim comigo mesma? 

 Puxei o ar, procurando me controlar, esfregando o rosto e levando a mão à maçaneta, me esquecendo de destrancar a porta antes de tentar abri-la. Resmunguei baixo por isso, me agachando e caçando a chave em algum lugar no chão ao lado da porta, a pegando e abrindo, deixando que o vento gelado batesse em meu rosto hirto. 

 Olhei para o portão enferrujado do cemitério. Tentei calcular quanto tempo eu não entrava ali. Fazia tempo, por certo, nem metade das coisas haviam acontecido ainda. 

 Encostei a porta atrás de mim, porém algo me disse para fecha-la direito. Então a puxei, trancando totalmente, saindo dali em seguida, parando na frente dos portões. Por algum motivo, meu nó na garganta se tornou mais forte ao ver as lápides. O céu parecia andar de mãos dadas com os anjos cinzentos de expressões opacas. Empurrei, abrindo passagem para mim mesma, olhando ao redor. Avancei, sem hesitar, deixando as pontas dos dedos roçarem por onde eu passava. Talvez minha expressão estivesse mais morta do que aqueles anjos. Por que escupiam anjos para fantasiar a morte, se as pessoas apenas viam escuridão e tragédia em volta? 

 Percebi que eu não conseguia respirar corretamente pelo choro que insistia em meu rosto. Uma lágrima escorria por minha bochecha, e ela se tornava gelada pelo vento. Ergui os olhos para um dos anjos. Ele carregava uma arpa cinzenta deitada sobre um dos braços, enquanto o outro a amparava com a mão. Os dedos mal tocavam o instrumento, apenas estavam perto delicadamente. 

 Levei a mão à ponta de sua asa de pedra, o examinando. 

 - Não se sente solitário aqui? - Pergunto. Ele não me responde. Como ninguém me respondia. Não quem eu queria. Suspirei e tirei a mão dali, me sentando à seus pés e apoiando a cabeça nas mãos. 

 - Sabia que ultimamente as coisas estão assim, cinzentas para mim também? - Abri um sorriso forçado, depois o fechei rapidamente. Aquilo doía! - Como você faz para esquecer? - Perguntei, agora com voz embargada, não ligando mais para as lágrimas que desciam. Ergui a cabeça para ele. Continuava da mesma forma. 

 - Eu perdi meus pais, Senhor Anjo - Falei, soluçando - E agora estou como uma criança, falando com alguém que nem existe, porque parece que você sabe me escutar melhor - Sussurrei. Minha mãe não estava ali do meu lado dizendo que ia ficar tudo bem. Não estava ali do meu lado me dizendo para eu fugir para onde eu quiser, onde problemas não existissem. Eu tentei fugir; mas não vejo mais saídas. 

Tem Alguém Ai? - Volume 3Onde histórias criam vida. Descubra agora