Com essa história de viver entre Reardan e Wellpinit, entre a cidadezinha de brancos e a reserva, eu sempre me sentia um estranho.
Eu era meio índio em um lugar, e meio branco no outro.
Como se ser índio fosse meu emprego, mas um emprego de meio expediente. E que não pagava bem.
A única pessoa que fazia com que eu me sentisse bem o tempo todo era Penelope.
Bem, talvez eu não devesse dizer isso.
Sim, porque minha mãe e meu pai davam um duro danado por minha causa. Estavam sempre catando dinheiro aqui e ali, economizando para a gasolina, para o dinheiro do lanche, para me comprar calça jeans e camisetas novas.
Meus pais me davam dinheiro suficiente, não mais que isso, para que eu fingisse que tinha mais.
Eu mentia para esconder como eu era pobre.
Todo mundo em Reardan achava que nós, spokanes, ganhavamos muito dinheiro porque tínhamos um cassino. Mas aquele cassino, sempre mal administrado e longe demais de qualquer estrada importante, era um negócio deficitário. Para ganhar algum dinheiro com o cassino, era preciso trabalhar lá.
E os brancos sempre acham que o governo dá dinheiro aos índios.
Como os meus colegas e os pais deles achavam que eu tinha muito dinheiro, eu nada fazia para que eles pensassem o contrário. Achei que não seria bom para mim se eles soubessem como eu era pobre.
O que pensariam de mim se soubessem que às vezes eu tinha que pedir carona para chegar à escola?
Pois é. Então eu fingia ter sempre algum dinheiro. Fingia ser classe média, fazer parte do esquema.
Ninguém sabia a verdade.
Mas ninguém consegue manter uma mentira eternamente, é claro. Mentiras têm pernas curtas. Quando são apanhadas, morrem e deixam um redor danado.
Em Dezembro, levei Penelope para o Grande Baile de Inverno da escola. O problema era que eu só tinha cinco dólares, o que não dava nem para começo de conversa. Não dava para as fotos, nem para a comida, nem para rachar a gasolina, nem mesmo para um cachorro quente com refrigerante. Se fosse uma festa qualquer, um baile comum, eu inventaria uma doença e ficava em casa. Mas eu não podia deixar de ir ao Grande Baile de Inverno. Se eu não levasse Penelope, ela certamente iria com outro.
Como eu não tinha dinheiro para a gasolina, e porque eu não poderia mesmo dirigir o carro ainda que tivesse, e porque eu não queria ir com outro casal, disse a Penelope que a encontraria na porta do ginásio. Ela não ficou muito feliz com isso.
Mas o pior foi que tive que usar um dos ternos velhos do meu pai.
Eu temia que as pessoas zombassem de mim, certo? E provavelmente teriam zombado se Penelope não tivesse logo gritado de alegria quando me viu entrar no ginásio.
- Oh, meu Deus! - gritou ela para que todos ouvissem. - Este terno é lindo! É tão retrô! É tão retroativo que chega a ser radioativo!
E todos os carinhas do lugar imediatamente desejaram ter um terno estropiado de poliéster como o do meu pai.
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Diario Absolutamente Verdadeiro De Um Índio De Meio Expediente
No FicciónMeu nome é Arnold Spirit Junior, mas me chamem de Junior, eu sou um índio, mas não fiquem imaginando um belo e musculoso índio, existe alguns assim sim, mas não sou um modelo de índio, sou magro, tenho um globo como cabeça e pés enormes, então se vi...