Dia dos Namorados

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    Alguns dias depois de eu ter dado a Penelope um cartão do dia dos namorados feito por mim mesmo (e de ela dizer que havia se esquecido de que era o dia dos namorados), Eugene, o melhor amigo de meu pai, levou um tiro na cara no estacionamento de um bar em Spokane.

    Absolutamente bêbado, Eugene foi morto por um de seus bons amigos, Bobby, que estava bêbado demais para se lembrar, depois, de ter puxado o gatilho.

    A polícia acha que Eugene e Bobby brigaram pelo último gole de vinho de uma garrafa.

    Quando Bobby ficou sóbrio o suficiente para se dar conta do que havia feito, pôs-se a chamar o nome de Eugene, sem parar, como se assim pudesse traz~e-lo de volta.

    Poucas semanas depois, na cadeia, Bobby se enforcou com um lençol.

    Nós nem tivemos tempo para perdoá-lo.

    Ele mesmo se puniu pelo que havia feito.

    Meu pai tomou um porre daqueles.

    Minha mãe passou a ir à igreja todo santo dia.

    Minha casa era só bebedeira e Deus, bebedeira e Deus.

    Tínhamos perdido minha avó e Eugene. Quantas perdas mais poderíamos aguentar?

    Eu me senti perdido, incapaz de fazer alguma coisa para melhorar a situação.

    Precisava de livros.

    E desenhava cartuns sem parar. Um atrás do outro.

    Tinha raiva de Deus; tinha raiva de Jesus. Eles estavam zombando de mim, por isso eu zombava deles.

    Eu queria encontrar cartuns que me ajudassem. Queria encontrar histórias que me ajudassem naquela aflição.

    Procurei então a palavra ¨tristeza¨ no dicionário.

    Eu queria descobrir tudo que fosse possível sobre tristeza. Queria saber por que minha família havia recebido tantos motivos de tristeza.

    E aí descobri a resposta:

Tristeza [do lat. tristitia] s.f. É quando você se sente tão vulnerável e estúpido que tudo parece que nunca mais vai dar certo de novo, e até o macarrão com queijo tem gosto de serragem, e você não tem nem vontade de se masturbar porque dá muito trabalho.

                                                                                                                            Dicionário c eterno.

    Pois é, foi Gordy quem me mostrou um livro escrito pelo cara que sabia a resposta.

    O cara era Eurípedes, um escritor grego do século V a.C.

    Um cara velho pra caramba.

    Em uma de suas peças, Medeia diz ¨Que tristeza é maior do que a perda da terra natal?¨

    Li isso e fiquei pensando. É isso aí, cara. Nós índios PERDEMOS TUDO. Perdemos nossa terra natal, perdemos nossas línguas, nossas cantigas, nossas danças. Perdemos uns aos outros. E agora só sabemos perder e estar perdidos.

    Mas não é só isso.

    Medeia ficou tão desencantada da vida, ela se sentiu tão traída que assassinou os próprios filhos.

    Para ela o mundo era um lugar sem alegria.

    Depois do enterro de Eugene, dei razão a ela. Eu poderia facilmente ter me matado, matado minha mãe e meu pai, matado os pássaros, as árvores, matado o oxigênio do ar.

Diario Absolutamente Verdadeiro De Um Índio De Meio ExpedienteOnde histórias criam vida. Descubra agora